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O ano em retrospetiva

O ano de 2022 foi um ponto de viragem na política monetária do BCE. As perspetivas de inflação mudaram abruptamente quando dois tipos de choque atingiram a economia ao mesmo tempo. Primeiro, a área do euro sofreu uma série, sem precedentes, de choques negativos do lado da oferta, causados por perturbações das cadeias de abastecimento decorrentes da pandemia, pela invasão injustificada da Ucrânia pela Rússia e pela subsequente crise energética. Em resultado, os custos dos fatores de produção aumentaram significativamente para todos os setores da economia. Segundo, verificou‑se um choque positivo do lado da procura, desencadeado pela reabertura da economia após a pandemia, o que permitiu às empresas refletirem os custos crescentes nos preços de forma muito mais rápida e forte do que no passado.

No final de 2021, tínhamos já anunciado que reduziríamos gradualmente as aquisições líquidas de ativos ao abrigo do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) e que, no final de março de 2022, cessaríamos as aquisições líquidas no âmbito do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme – PEPP). Contudo, a orientação geral da nossa política monetária ainda era muito acomodatícia, tendo sido adaptada à conjuntura de inflação muito baixa na última década e aos riscos deflacionistas no início da pandemia. Por conseguinte, adotámos várias medidas para normalizar essa orientação e responder celeremente ao desafio da inflação emergente.

Em março, acelerámos a redução das aquisições líquidas ao abrigo do APP e, em abril, anunciámos que esperávamos descontinuá‑las no terceiro trimestre. Em julho, subimos, então, as taxas de juro diretoras do BCE pela primeira vez em 11 anos e novamente nas reuniões de política monetária que se seguiram, numa série de grandes incrementos. O ritmo deste ajustamento constituiu um sinal importante para o público da nossa determinação em reduzir a inflação. Isso contribuiu para ancorar as expetativas de inflação, mesmo quando esta acelerou.

Paralelamente, atuámos no sentido de assegurar que – face à normalização da política monetária – a orientação da nossa política monetária continuaria a ser transmitida regularmente através dos mercados financeiros em toda a área do euro. Tal foi logrado através de duas medidas importantes. Primeiro, decidimos aplicar flexibilidade no reinvestimento dos títulos vincendos da carteira do PEPP para contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão da política monetária relacionados com a pandemia. Segundo, lançámos um novo instrumento – o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT).

Porém, com a evolução das perspetivas de inflação, ficou claro que alcançar uma orientação de política monetária globalmente neutra não seria suficiente por si só. As projeções indicavam que a inflação se situaria excessivamente acima do nosso objetivo de 2% no médio prazo durante demasiado tempo, e observámos sinais de que estava a tornar‑se mais persistente, com a generalização das pressões sobre os preços e o fortalecimento da inflação subjacente. Neste contexto, era necessário colocar as taxas de juro em terreno restritivo e atenuar a procura.

Portanto, em dezembro, na sequência da última reunião de política monetária do ano, anunciámos que as taxas de juro ainda teriam de aumentar consideravelmente, a um ritmo constante, com vista a serem atingidos níveis suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao nosso objetivo. Ao mesmo tempo, declarámos que, apesar de as taxas de juro diretoras do BCE serem o principal instrumento para definir a orientação da política monetária, começaríamos a reduzir a carteira de títulos detidos ao abrigo do APP a partir de março de 2023 a um ritmo comedido e previsível. Tal seguiu‑se também a uma decisão, em outubro, de recalibrar os termos e condições da terceira série das operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas III), eliminando um elemento dissuasor do reembolso antecipado voluntário dos fundos em dívida. Os ativos detidos para fins de política monetária no nosso balanço diminuíram cerca de 830 mil milhões de euros entre o final de junho (quando cessaram as aquisições líquidas de ativos) e o final de dezembro, o que contribuiu para a normalização do nosso balanço.

Além das medidas destinadas a combater a inflação elevada, continuámos a analisar e a abordar as ameaças mais gerais para o nosso mandato decorrentes de um clima em mutação. Em 2022, demos novos passos para incorporar considerações sobre as alterações climáticas nas nossas operações de política monetária. Esses passos incluíram a condução de um primeiro teste de esforço climático a diversas posições financeiras no nosso balanço e a realização de avanços para melhor captar o impacto das alterações climáticas na nossa modelização macroeconómica. A partir de outubro, começámos a descarbonizar posições em obrigações de empresas nas nossas carteiras de política monetária, tendo estas passado a privilegiar emitentes com um melhor desempenho climático. Decidimos também limitar a percentagem de ativos emitidos por sociedades não financeiras com uma elevada pegada de carbono passíveis de ser apresentados como garantia pelas contrapartes ao contraírem empréstimos junto do Eurosistema.

Em 2022, prosseguimos os esforços para permanecer na vanguarda da evolução tecnológica dos sistemas de pagamentos e das infraestruturas de mercado. Esses esforços envolveram os preparativos com vista à transição do TARGET2 para um novo sistema modernizado de liquidação por bruto em tempo real, bem como várias medidas destinadas a assegurar a acessibilidade pan‑europeia dos prestadores de serviços de pagamento no sistema de liquidação de pagamentos imediatos através do TARGET (TARGET Instant Payment Settlement – TIPS). As operações de pagamento imediato através do TIPS foram 17 vezes superiores em 2022 face a 2021.

O ano marcou também o 20.º aniversário da introdução das notas e moedas de euro, um acontecimento maior da história europeia e símbolo concreto da integração europeia. Até à data, o numerário continua a ser o meio de pagamento mais frequentemente utilizado entre os europeus, representando quase 60% dos pagamentos, e não há dúvida de que continuará a desempenhar um papel importante na vida das pessoas. No entanto, com a crescente digitalização da economia, precisamos de assegurar que os europeus também têm acesso a métodos de pagamento digitais seguros, eficientes e convenientes. É por esta razão que o Eurosistema está a explorar a possibilidade de emitir um euro digital. No âmbito da fase de investigação em curso, o Eurosistema acordou em 2022 os principais casos em que um euro digital poderia ser utilizado e tomou várias decisões fundamentais relativamente à sua conceção.

Com o aproximar do final do ano, verificou‑se um novo alargamento da área do euro, que recebeu o seu membro mais novo, a Croácia, em 1 de janeiro de 2023, demonstrando que o euro continua a ser uma moeda atrativa que proporciona estabilidade aos seus membros.

Nada disto teria sido possível sem os esforços concretos do pessoal do BCE e a sua determinação coletiva em servir os cidadãos da Europa.

Frankfurt am Main, maio de 2023

Christine Lagarde

Presidente

O ano em números

1 Inflação elevada num contexto de crescente incerteza e abrandamento do crescimento económico

O crescimento mundial desacelerou em 2022. A invasão da Ucrânia pela Rússia, a inflação elevada e a maior restritividade das condições financeiras pesaram tanto sobre as economias avançadas como sobre as economias de mercado emergentes. As pressões sobre a inflação a nível mundial intensificaram‑se significativamente, alimentadas por preços elevados e voláteis das matérias‑primas, estrangulamentos no abastecimento mundial e mercados de trabalho restritivos. O euro enfraqueceu face ao dólar dos Estados Unidos, mas apreciou‑se face a muitas outras moedas e foi, assim, mais estável em termos efetivos nominais.

Na área do euro, a inflação subiu para 8,4% em 2022, face a 2,6% em 2021. A subida refletiu principalmente um aumento acentuado dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, desencadeado pela guerra na Ucrânia. Anteriores estrangulamentos no abastecimento e alguma procura não satisfeita resultante da pandemia de coronavírus (COVID19), juntamente com os elevados custos dos fatores de produção em virtude do aumento dos preços dos produtos energéticos, intensificaram as pressões sobre os preços em muitos setores da economia. Após um primeiro semestre forte, quando sobretudo o setor dos serviços beneficiou do levantamento das restrições relacionadas com a pandemia, o crescimento abrandou na área do euro, devido, em grande medida, aos efeitos da guerra na Ucrânia.

1.1 Abrandamento da atividade económica nas economias avançadas e de mercado emergentes

A guerra da Rússia contra a Ucrânia pesou sobre o crescimento económico mundial ao elevar a incerteza e a inflação

O crescimento económico mundial diminuiu de 6,4% em 2021 para 3,4% em 2022, devido à incerteza gerada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia e por outros fatores geopolíticos, à subida da inflação e ao aumento da restritividade das condições financeiras. O abrandamento foi generalizado nas economias avançadas e de mercado emergentes (gráfico 1.1, painel a) e seguiu‑se a uma forte recuperação em 2021, decorrente principalmente da flexibilização das restrições relacionadas com a pandemia e da subsequente subida da procura mundial. No início de 2022, a guerra na Ucrânia infligiu um novo grande choque sobre a economia mundial. Conduziu a um aumento acentuado e a uma volatilidade muito elevada dos preços das matérias‑primas e comprometeu a segurança alimentar, especialmente nas economias de mercado emergentes. A subida dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares amplificou as pressões inflacionistas a nível mundial, reduzindo o rendimento disponível real das famílias e levando os bancos centrais a aumentar rapidamente a restritividade da política monetária. Num contexto de subida das taxas de juro, de queda das valorizações nos mercados bolsistas e de maior aversão ao risco, as condições financeiras mundiais tornaram‑se significativamente mais restritivas.

Gráfico 1.1

Evolução do PIB e do comércio mundiais

(taxas de variação homólogas (%))

Fontes: Haver Analytics, fontes nacionais e cálculos do BCE.
Notas: Painel a): os agregados são calculados utilizando valores para o PIB corrigidos com base em ponderações das paridades do poder de compra. As barras sólidas indicam dados. As linhas a tracejado indicam as médias de longo prazo (entre 1999 e 2022). As últimas observações referem‑se a 2022, de acordo com a atualização de 18 de abril de 2023. Painel b): o crescimento do comércio mundial é definido como o crescimento das importações mundiais incluindo a área do euro. As barras sólidas indicam dados. As linhas a tracejado indicam as médias de longo prazo (entre 1999 e 2022). As últimas observações referem‑se a 2022, de acordo com a atualização de 18 de abril de 2023.

O crescimento do comércio mundial desacelerou em 2022

O crescimento do comércio mundial diminuiu em 2022, embora tenha permanecido acima da média histórica (gráfico 1.1, painel b). A queda deveu‑se sobretudo à fraca atividade na indústria transformadora. No primeiro semestre, o comércio mundial ainda se manteve relativamente resiliente, pois os efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia e os persistentes estrangulamentos no abastecimento a nível mundial foram compensados, em parte, pela recuperação dos serviços relacionados com viagens e de transporte, em virtude da flexibilização das restrições relacionadas com a pandemia. Todavia, no segundo semestre, o comércio abrandou significativamente, refletindo em particular menores importações das economias de mercado emergentes. Embora a integração das cadeias de valor mundiais tenha estagnado desde a crise financeira mundial, a pandemia e os desenvolvimentos geopolíticos aumentaram os incentivos para as empresas regressarem à produção interna e diversificarem os fornecedores, o que, no futuro, poderá conduzir a uma fragmentação das cadeias de valor mundiais.

A nível mundial, tanto a inflação global como a inflação excluindo produtos energéticos e produtos alimentares subiram de forma significativa

As pressões inflacionistas a nível mundial – refletidas nas medidas da inflação global e nas medidas da inflação excluindo produtos energéticos e produtos alimentares – aumentaram significativamente em 2022 (gráfico 1.2). As pressões inflacionistas foram alimentadas pelos preços elevados e voláteis das matérias‑primas, pelos estrangulamentos no abastecimento a nível mundial, pelos efeitos prolongados da reabertura da economia após a pandemia e pela restritividade dos mercados de trabalho. Nos países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a inflação global atingiu um máximo de 10,7%, em termos agregados, em outubro, começando depois a descer. A inflação excluindo produtos energéticos e produtos alimentares atingiu um máximo de 7,8% no mesmo mês. Na maioria dos países, o aumento acentuado da inflação no primeiro semestre refletiu sobretudo os preços mais elevados das matérias‑primas. O aumento da inflação excluindo preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares na parte final do ano indicou que as pressões inflacionistas se tinham tornado cada vez mais generalizadas, tanto nas economias avançadas como de mercado emergentes. As pressões inflacionistas subjacentes foram também alimentadas pelas crescentes pressões salariais, visto que os mercados de trabalho das principais economias avançadas permaneceram restritivos, não obstante o abrandamento da atividade económica mundial.

Gráfico 1.2

Taxas de inflação nos países da OCDE

(taxas de variação homólogas (%); dados mensais)

Fonte: OCDE.
Nota: As últimas observações referem‑se a dezembro de 2022, de acordo com a atualização de 18 de abril de 2023.

Os preços dos produtos energéticos subiram após a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas abrandaram, em certo grau, com a diminuição da procura de produtos energéticos e o aumento das importações de GNL

Os preços dos produtos energéticos aumentaram acentuadamente em 2022, mas abrandaram, em certo grau, perto do final do ano. Os preços do petróleo aumentaram 6%, impulsionados por perturbações no aprovisionamento, sobretudo devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, que provocou um pico nos preços do petróleo na primavera. As perturbações no aprovisionamento foram parcialmente contrabalançadas por uma procura mais baixa, num contexto de abrandamento económico a nível mundial e de confinamentos na China. A invasão da Ucrânia e a redução do abastecimento de gás à Europa também conduziram a picos sem precedentes dos preços do gás na Europa, que, em relação ao início do ano, subiram mais de 240% imediatamente após a invasão pela Rússia. A subida acentuada dos preços do gás deixou uma marca significativa nos preços dos produtos energéticos, em geral, na Europa, visto ter também conduzido a um aumento dos preços grossistas da eletricidade. Os preços do gás registaram uma moderação no último trimestre, dado que, devido ao aumento das importações de gás natural liquefeito (GNL) e às medidas de poupança de gás, a União Europeia (UE) dispunha de volumes elevados de gás armazenado no início da estação fria, deixando os preços do gás no final de 2022 em níveis muito semelhantes aos anteriores à invasão, mas, ainda assim, 14% acima do nível no início do ano.

O euro desceu face ao dólar dos Estados Unidos, mas apresentou‑se mais estável em termos efetivos nominais

O euro depreciou‑se 6% face ao dólar dos Estados Unidos em 2022, mas foi mais estável em termos efetivos nominais (+0,8%), não obstante uma variação considerável durante o ano. O dólar apreciou‑se face à maior parte das restantes moedas, com o aumento da restritividade da política monetária do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos e a moderação do sentimento mundial relativamente ao risco. Os preços elevados dos produtos energéticos e a deterioração das perspetivas económicas da área do euro também exerceram pressão sobre o euro. Contudo, este apreciou‑se face a outras moedas importantes, como a libra esterlina, o iene japonês e o renminbi chinês.

Os grandes riscos para as perspetivas de crescimento económico mundial no final de 2022, num contexto de elevada incerteza, incluíam maiores repercussões da guerra na Ucrânia, as consequências de um abrandamento mais significativo da economia chinesa e condições financeiras mais restritivas devido à retirada mais célere do estímulo da política monetária nas principais economias avançadas. Considerou‑se que esta última era suscetível de provocar saídas de capital mais significativas das economias de mercado emergentes e perturbar os mercados financeiros. Além disso, os mercados mundiais de matérias‑primas permaneceram sensíveis aos riscos do lado da oferta. Os preços mais elevados das matérias‑primas e uma transmissão mais forte à inflação dos preços no consumidor reduziriam mais significativamente o poder de compra e poderiam afetar a procura mundial. Pressões renovadas sobre as cadeias de abastecimento mundiais e uma crescente fragmentação do sistema de comércio mundial também poderiam comprometer o crescimento e alimentar a inflação.

1.2 O crescimento na área do euro enfraqueceu substancialmente no decurso de 2022

O crescimento do produto interno bruto (PIB) real da área do euro em 2022 situou‑se em 3,5%, face a 5,3% em 2021, com a economia a recuperar da recessão relacionada com a pandemia (gráfico 1.3). O crescimento em 2022 refletiu sobretudo um contributo robusto da procura interna. No final do ano, o produto na área do euro situava‑se 2,4% acima do nível registado antes da pandemia, ou seja, em comparação com o último trimestre de 2019. Não obstante, o desempenho do crescimento variou consideravelmente entre países, refletindo as diferentes estruturas económicas e até que ponto cada país beneficiara da reabertura do setor dos serviços e tinha sido afetado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. À medida que a forte recuperação da procura de serviços com uma grande componente de contacto observada no primeiro semestre perdeu dinamismo, a subida muito acentuada dos preços dos produtos energéticos começou a travar a despesa e a produção no conjunto da economia. A área do euro também sentiu o impacto do enfraquecimento da procura mundial e da maior restritividade da política monetária em muitas das principais economias, perante a elevada incerteza económica e a diminuição da confiança quer das empresas quer das famílias.

Gráfico 1.3

PIB real da área do euro

(taxas de variação homólogas (%); contributos em pontos percentuais)

Fonte: Eurostat.
Nota: As últimas observações referem‑se a 2022.

Foi retirado o apoio da política monetária, tendo a política orçamental proporcionado proteção contra aumentos dos preços dos produtos energéticos

Em 2022, o apoio da política monetária foi retirado, com as políticas orçamentais a centrarem‑se na proteção contra aumentos dos preços dos produtos energéticos. Embora a normalização da orientação da política monetária tenha começado em dezembro de 2021, a política monetária permaneceu globalmente acomodatícia, em particular no primeiro semestre. Porém, no segundo semestre, o apoio da política monetária foi retirado rapidamente em etapas de amplitude sem precedentes (ver a secção 2.1). Os governos da área do euro adotaram medidas de política orçamental para atenuar o impacto dos elevados preços dos produtos energéticos. De um modo geral, as medidas foram não direcionadas, em vez de visarem sobretudo proteger as famílias e empresas mais vulneráveis. Cerca de metade das medidas teve um impacto no custo marginal do consumo energético, ao invés de ser concebida de modo a preservar incentivos a um menor consumo energético. Ao mesmo tempo, prosseguiram as políticas estruturais para aumentar o potencial de crescimento da área do euro. A implementação em curso dos planos de investimento e de reforma estrutural dos diferentes países ao abrigo do programa “Next Generation EU” (NGEU) contribuiu de forma considerável para estes objetivos.

O consumo privado foi afetado por vários choques, mas manteve‑se globalmente resiliente

Em 2022, o crescimento do consumo privado mostrou‑se resiliente, dado que os rendimentos do trabalho permaneceram firmes e as poupanças acumuladas apoiaram a procura não satisfeita (gráfico 1.4). A dinâmica positiva foi sustentada principalmente pelo consumo de serviços, que subiu de forma acentuada com o levantamento das restrições relacionadas com a pandemia. Não obstante, o crescimento do consumo privado abrandou no decurso do ano, em virtude da fraca despesa em bens não duradouros, num contexto de diminuição do crescimento do rendimento disponível real e persistência da incerteza. De um modo geral, a despesa das famílias aumentou 4,3% em 2022. Com o forte crescimento do emprego e a aceleração gradual dos salários, os rendimentos do trabalho, que são normalmente mais utilizados para consumo do que outras fontes de rendimento, deram o principal contributo para o crescimento do rendimento disponível em 2022. Contudo, a subida da inflação reduziu progressivamente o rendimento disponível real na parte final do ano, superando os efeitos favoráveis da resiliência do mercado de trabalho e do apoio orçamental.

Gráfico 1.4

Consumo privado real da área do euro

(taxas de variação homólogas (%); contributos em pontos percentuais)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

O investimento enfrentou um aumento dos custos energéticos e de financiamento num contexto de elevada incerteza

O crescimento do investimento em outros setores exceto construção – uma medida aproximada do investimento privado não relacionado com habitação – oscilou fortemente em 2022 (gráfico 1.5)[1]. Excluindo a componente particularmente volátil do investimento em ativos intangíveis na Irlanda[2], o crescimento do investimento em outros setores exceto construção abrandou no decurso do ano. Iniciou o ano num nível robusto, impulsionado por uma procura elevada, lucros empresariais robustos e condições de financiamento favoráveis, com o levantamento das restrições relacionadas com a pandemia. Todavia, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a crise energética consequente, juntamente com a redução do estímulo da política monetária, implicaram um aumento dos custos energéticos e de financiamento das empresas, o que, a par do abrandamento da procura interna e mundial num contexto de elevada incerteza, reduziu os incentivos ao investimento empresarial. Em termos de nível, no final de 2022, o investimento em outros setores exceto construção situava‑se bastante abaixo do observado no quarto trimestre de 2019, o qual tinha sido impulsionado por um aumento considerável do investimento em ativos intangíveis. Excluindo os ativos intangíveis na Irlanda, o investimento em outros setores exceto construção tinha já recuperado no final de 2020. Em geral, registou um crescimento de 5,2% em 2022.

Gráfico 1.5

Investimento real da área do euro

(taxas de variação trimestrais (%); contributos em pontos percentuais)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

O investimento em habitação registou um ritmo de crescimento forte no primeiro trimestre de 2022, visto que a procura de habitação foi sustentada por condições de financiamento favoráveis, pela acumulação de um elevado stock de poupança e por medidas de apoio ao rendimento. Recuou, todavia, nos trimestres seguintes, com o enfraquecimento da procura em resultado do aumento das taxas do crédito à habitação e da incerteza relacionada com a guerra na Ucrânia, enquanto a oferta sofreu com o aumento muito acentuado dos custos decorrente da escassez de materiais e de mão de obra. No final de 2022, o investimento em habitação era cerca de 3% mais elevado do que o seu nível pré‑pandemia, tendo registado um crescimento de 1,1% no conjunto de 2022.

O comércio foi afetado por custos energéticos mais elevados, estrangulamentos das cadeias de abastecimento e um enfraquecimento da procura mundial

A balança comercial de bens da área do euro passou a registar um défice em 2022, sobretudo devido ao custo mais elevado das importações de produtos energéticos e ao fraco desempenho das exportações. Do lado das importações, o crescimento robusto impulsionado pela constituição de reservas de produtos energéticos e pelo aumento das importações de bens intermédios foi acompanhado de uma forte subida dos preços, em especial das importações de produtos energéticos. As exportações de bens foram prejudicadas por uma nova intensificação dos estrangulamentos nas cadeias de abastecimento no primeiro semestre de 2022. Subsequentemente, permaneceram moderadas devido ao enfraquecimento da procura mundial, tendo os problemas nas cadeias de abastecimento melhorado apenas de forma gradual. Em contraste, as exportações de serviços, em particular serviços de turismo, beneficiaram da flexibilização e do levantamento gradual das restrições relacionadas com a pandemia. De um modo geral, o contributo do comércio para o crescimento do PIB da área do euro foi globalmente neutro em 2022.

Mercados de trabalho

Em geral, o mercado de trabalho manteve‑se resiliente em 2022

O mercado de trabalho continuou a apresentar uma recuperação pronunciada pós‑pandemia, acompanhando a retoma da atividade económica na área do euro. No quarto trimestre de 2022, o emprego total e o total de horas trabalhadas tinham ultrapassado os níveis registados no quarto trimestre de 2019 em 2,3% e 0,6%, respetivamente (gráfico 1.6). A taxa de participação da população ativa na faixa etária dos 15 aos 74 anos aumentou para 65,2% no quarto trimestre de 2022, situando‑se 0,5 pontos percentuais acima do nível observado no quarto trimestre de 2019. Em consonância com o crescimento do emprego, a taxa de desemprego registou nova descida, de um nível historicamente já baixo de 6,9% em janeiro de 2022 para 6,7% perto do final de 2022 (gráfico 1.7). Verificou‑se uma queda acentuada do recurso a regimes de retenção de postos de trabalho, que tinham limitado os despedimentos durante a crise, tendo os trabalhadores ao abrigo desses regimes retomado, em grande parte, o seu horário de trabalho normal.

Gráfico 1.6

Emprego, horas trabalhadas e taxa de participação da população ativa

(escala da esquerda: índice, T4 2019 = 100; escala da direita: percentagens da população em idade ativa)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

Gráfico 1.7

Desemprego e população ativa

(escala da esquerda: taxas de variação trimestrais em cadeia (%), contributos em pontos percentuais; escala da direita: percentagens da população ativa)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

O mercado de trabalho da área do euro manteve‑se, em geral, resiliente em 2022, apesar da guerra da Rússia contra a Ucrânia, tal como também indicado pelos níveis persistentemente elevados de postos de trabalho por preencher perto do final do ano. Não obstante, a evolução do mercado de trabalho e os indicadores de inquéritos referentes à procura de mão de obra registaram uma moderação no segundo semestre. A caixa 1 compara a evolução do mercado de trabalho nos Estados Unidos e na área do euro para um melhor entendimento das diferenças e semelhanças nos fatores impulsionadores da recuperação pós‑pandemia e das perspetivas de evolução do emprego e dos salários.

1.3 Medidas de política orçamental para fazer face a uma crise do custo de vida

O rácio do défice das administrações públicas da área do euro diminuiu em 2022, dado que as medidas relacionadas com a pandemia cessaram e foram apenas parcialmente compensadas por novas medidas de apoio

Em 2022, os governos da área do euro foram confrontados, pelo terceiro ano consecutivo, com novos desafios que exigiram políticas orçamentais reativas. O rácio do défice das administrações públicas da área do euro diminuiu para 3,5% do PIB em 2022, face a 5,1% em 2021 (gráfico 1.8), dado que as medidas de apoio relacionadas com a pandemia cessaram e foram apenas parcialmente compensadas por novas medidas de apoio. Estas últimas visaram contrariar o aumento dos preços dos produtos energéticos e as suas consequências, nomeadamente um maior custo de vida para as famílias e custos mais elevados para as empresas. Em menor grau, também financiaram despesas relacionadas com a guerra da Rússia contra a Ucrânia. A mesma evolução refletiu‑se na orientação orçamental, que se tornou moderadamente mais restritiva em 2022 pelo segundo ano consecutivo[3]. No entanto, como se constata no gráfico abaixo, apenas um pouco mais de um terço da redução da restritividade em 2020 foi invertido até ao momento.

Gráfico 1.8

Saldo das administrações públicas da área do euro e orientação orçamental

(em percentagem do PIB)

Fontes: Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema – dezembro de 2022 e cálculos do BCE.
Nota: A medida da orientação orçamental tem em conta as despesas financiadas pelo Instrumento de Recuperação e Resiliência do NGEU e por outros fundos estruturais da UE.

Contudo, as medidas relacionadas com a inflação e a guerra da Rússia contra a Ucrânia foram substanciais e abrangentes

Quando os preços dos produtos energéticos começaram a aumentar de forma mais acentuada no final de 2021, os governos da área do euro adotaram medidas de apoio correspondentes a cerca de 0,2% do PIB. Estas incluíram subsídios, cortes dos impostos indiretos e transferências para as famílias e as empresas. Em 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, os governos expandiram rapidamente essas medidas para cerca de 1,9% do PIB (gráfico 1.9), o que incluiu também transferências de capital para empresas produtoras de energia. Além disso, aumentaram o apoio público em 0,2% do PIB, devido a, designadamente, despesas militares e relacionadas com refugiados. As medidas de apoio face aos preços dos produtos energéticos e à inflação foram compensadas apenas em pequena escala por novas medidas de financiamento, como uma tributação direta mais elevada dos produtores de energia com grandes lucros excecionais. Consequentemente, o respetivo efeito orçamental líquido manteve‑se em níveis consideráveis de cerca de 1,7% do PIB. Em suma, o apoio discricionário bruto (apoio face aos preços dos produtos energéticos e à inflação, mais despesas militares e relacionadas com refugiados) ascendeu, assim, a 2,1% do PIB da área do euro e, líquido de novo financiamento, a 1,9% do PIB (gráfico 1.10).

Gráfico 1.9

Apoio orçamental na área do euro relacionado com os preços elevados dos produtos energéticos e a inflação

(em percentagem do PIB; níveis por ano)

Fontes: Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema – dezembro de 2022 e cálculos do BCE.
Notas: Os números positivos indicam o apoio orçamental. As barras e totais representam o apoio orçamental bruto. “Impacto líquido” refere‑se ao apoio bruto menos as medidas discricionárias de financiamento para os fins indicados, tal como identificados pelos especialistas do Eurosistema.

Gráfico 1.10

Apoio orçamental na área do euro relacionado com os preços elevados dos produtos energéticos, a inflação e a guerra da Rússia contra a Ucrânia

(em percentagem do PIB em 2022; níveis por ano)

Fontes: Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema – dezembro de 2022 e cálculos do BCE.
Notas: Os números positivos indicam o apoio orçamental. As barras e totais representam o apoio orçamental bruto. “Impacto líquido” refere‑se ao apoio bruto menos as medidas discricionárias de financiamento para os fins indicados, tal como identificados pelos especialistas do Eurosistema.

O caráter direcionado das medidas de apoio estatal foi limitado

As medidas de apoio devem ser temporárias, direcionadas às famílias e empresas mais vulneráveis, bem como adaptadas à preservação de incentivos a um menor consumo energético. É provável que medidas orçamentais que não cumpram estes princípios exacerbem as pressões inflacionistas – o que requereria uma resposta mais forte da política monetária – e pesem sobre as finanças públicas. Dado que apenas uma pequena parte das medidas foi direcionada (12%, de acordo com as projeções de dezembro de 2022 elaboradas por especialistas do Eurosistema[4]), é importante que os governos ajustem as medidas em conformidade.

Choques consecutivos sobre as finanças públicas tornam ainda mais necessárias políticas orçamentais prudentes no médio prazo

A pandemia, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e as despesas orçamentais para compensar as elevadas taxas de inflação representam choques consecutivos de grandes proporções para as finanças públicas. Estes ocorreram num contexto de rácios da dívida pública em relação ao PIB já altos. Embora a pandemia tenha resultado em custos elevados para as finanças públicas e a guerra na Ucrânia tenha intensificado os riscos para as perspetivas de crescimento económico, o impacto líquido do choque inflacionista nos níveis de dívida é menos claro. Enquanto as receitas fiscais mais elevadas terão algum efeito em sentido descendente sobre o rácio da dívida, a inflação elevada desencadeou uma normalização da política monetária e, por conseguinte, um aumento dos custos de financiamento. Além disso, as despesas públicas tendem a acabar por alcançar o nível das receitas, ao passo que a inflação afeta negativamente o crescimento do produto.

É provável que as pressões sobre as finanças públicas aumentem

É provável que as pressões sobre as finanças públicas aumentem. Entre outros fatores, as pressões advirão da necessidade de acelerar a transição energética e aumentar o investimento numa economia mais ecológica e digital, além da subida dos custos orçamentais resultantes do envelhecimento da população. Importa, portanto, responder à vulnerabilidade acrescida das finanças públicas da área do euro através tanto de reformas que promovam o crescimento como de uma redução gradual dos elevados rácios da dívida. Tal exigirá uma rápida implementação dos planos de investimento e de reforma estrutural ao abrigo do programa “Next Generation EU”, assim como políticas orçamentais prudentes para os próximos anos.

1.4 Subida acentuada da inflação na área do euro

A inflação global na área do euro, medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), situou‑se, em média, em 8,4% em 2022, subindo acentuadamente face a uma média de 2,6% em 2021. A inflação registou uma grande subida ao longo do ano e atingiu taxas elevadas de cerca de 10% em termos homólogos nos meses mais para o final do ano. Os preços dos produtos energéticos foram a componente mais importante do aumento da inflação global, tendo os preços dos produtos alimentares aumentado também de forma cada vez mais forte, em particular após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro. Além disso, os persistentes estrangulamentos no abastecimento de produtos industriais, a recuperação da procura após a flexibilização das restrições relacionadas com a pandemia, especialmente no setor dos serviços, e a depreciação do euro intensificaram as pressões inflacionistas (gráfico 1.11). Em termos gerais, as pressões sobre os preços propagaram‑se a um número crescente de setores, devido, em parte, ao impacto indireto dos elevados custos energéticos no conjunto da economia. A divergência das taxas de inflação entre os países da área do euro também aumentou significativamente, refletindo sobretudo diferentes graus de exposição aos choques sobre os preços das matérias‑primas e dos produtos energéticos. Na sua maioria, as medidas da inflação subjacente registaram um aumento considerável ao longo do ano. No final de 2022, era esperado que os fatores subjacentes ao aumento da inflação se desvanecessem e que a inflação abrandasse no decurso de 2023.

Gráfico 1.11

Inflação global e as suas principais componentes

(taxas de variação homólogas (%); contributos em pontos percentuais)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se a dezembro de 2022.

A inflação foi impulsionada pelos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares

A evolução da componente de preços dos produtos energéticos representou diretamente quase metade do aumento da inflação global no decurso de 2022. A inflação dos preços dos produtos energéticos já era elevada no início do ano, tendo depois registado nova subida acentuada, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, devido a preocupações com possíveis perturbações do aprovisionamento energético. Em outubro, a inflação dos preços dos produtos energéticos situou‑se em 41,5%, com grandes contributos dos preços do gás e da eletricidade, cujos preços grossistas subjacentes foram dissociados dos preços do petróleo. Os governos adotaram medidas orçamentais consideráveis que ajudaram a atenuar um pouco o impacto de curto prazo da subida dos preços dos produtos energéticos (ver a secção 1.3). A diferente intensidade destas medidas contribuiu para as diferenças na inflação dos produtos energéticos entre os países da área do euro, tendo os Estados bálticos registado os valores mais elevados. O aumento acentuado dos custos energéticos também exerceu uma pressão substancial em sentido ascendente sobre os preços dos produtos alimentares, afetando‑os com vários desfasamentos. A guerra na Ucrânia também teve um impacto mais direto nos preços dos produtos alimentares, visto que tanto a Rússia como a Ucrânia são importantes exportadores de cereais e dos minerais utilizados na produção de fertilizantes[5]. O contributo da inflação total dos preços dos produtos alimentares para a inflação global medida pelo IHPC atingiu 2,9 pontos percentuais em dezembro de 2022, um valor substancialmente superior ao nível registado em 2021, refletindo um aumento quer da componente de produtos não transformados quer da componente de produtos transformados.

A inflação subjacente registou um forte aumento, evidenciando alguns sinais de estabilização no final do ano

Os indicadores da inflação subjacente aumentaram substancialmente no decurso de 2022, embora com alguns sinais de alisamento no final do ano. Com um valor de 2,3%, a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares excedia já o objetivo do BCE para a inflação no princípio do ano, tendo subido para 5,2% em dezembro. Em média, a inflação dos preços dos produtos industriais não energéticos aumentou para 4,6% em 2022, tendo a inflação dos serviços atingido 3,5%. A pressão sobre os preços resultou amplamente dos mesmos fatores: aumentos muito fortes dos custos dos fatores de produção, em parte relacionados com a subida dos preços das matérias‑primas energéticas, e fatores relacionados com a pandemia, tais como estrangulamentos no abastecimento a nível mundial e efeitos da reabertura. A depreciação do euro ao longo da maior parte do ano também contribuiu para pressões inflacionistas. Com o abrandamento gradual das perturbações das cadeias de abastecimento no segundo semestre de 2022 e a descida dos preços das matérias‑primas, assistiu‑se a uma moderação das pressões nas fases iniciais da cadeia de fixação de preços após o verão. Todavia, os efeitos da transmissão desfasada mantiveram a inflação elevada. A procura não satisfeita após o levantamento das restrições relacionadas com a pandemia contribuiu para um ambiente de fixação de preços favorável para as empresas, em particular para serviços com uma grande componente de contacto. De um modo geral, as pressões sobre os preços tornaram‑se cada vez mais persistentes e generalizadas. Tal levou a um aumento de todos os indicadores da inflação subjacente.

As pressões salariais intensificaram‑se perto do final do ano, num contexto de mercados de trabalho fortes e de alguma compensação pela inflação elevada

As pressões internas sobre os custos na área do euro, medidas pelo crescimento do deflator do PIB, aumentaram, em média, 4,7% em 2022, prosseguindo a trajetória iniciada em 2021 (gráfico 1.12). As pressões decorrentes da evolução dos salários mantiveram‑se moderadas no primeiro semestre, mas tornaram‑se mais pronunciadas perto do final do ano. O crescimento anual da remuneração por empregado aumentou em 2022, atingindo, em média, 4,5%, face a 3,9% em 2021 e a uma média de 1,7% no período pré‑pandemia (entre 2015 e 2019). Em comparação com o ano anterior, o aumento ficou a dever‑se, em parte, ao crescimento da média de horas trabalhadas, com o desvanecimento do impacto dos regimes de retenção de postos de trabalho. Os salários negociados, que foram afetados em menor grau pelo impacto das medidas governamentais, subiram a uma taxa média anual de 2,8% em 2022, ligeiramente abaixo do crescimento salarial observado, refletindo a intensificação das pressões salariais perto do final do ano. A compensação pela inflação tornou‑se um aspeto cada vez mais importante das negociações salariais em 2022, sobretudo tendo em conta que os mercados de trabalho permaneceram fortes. Os maiores custos de mão de obra foram, em certo grau, compensados por um aumento da produtividade do trabalho. Os lucros unitários nos vários setores deram um contributo positivo para o deflator do PIB ao longo do ano, indicando que as empresas conseguiram refletir os aumentos dos custos dos fatores de produção nos preços de venda.

Gráfico 1.12

Desagregação do deflator do PIB

(taxas de variação homólogas (%); contributos em pontos percentuais)

Fontes: Eurostat e cálculos do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se a dezembro de 2022.

As expetativas de inflação a mais longo prazo aumentaram de novo, mas permaneceram globalmente ancoradas no objetivo do BCE

As expetativas de inflação a mais longo prazo dos analistas profissionais, que se situaram em 1,9% no final de 2021, aumentaram ligeiramente durante o ano, atingindo 2,2% no quarto trimestre de 2022 (gráfico 1.13). Outros dados de inquéritos, como os do inquérito do BCE a analistas monetários e dos inquéritos da Consensus Economics, sugeriram também que as expetativas de inflação a mais longo prazo estavam ancoradas num nível igual ou ligeiramente superior a 2%, não obstante expetativas mais elevadas a mais curto prazo. As medidas baseadas no mercado da compensação pela inflação a mais longo prazo, em particular a taxa de swap indexada à inflação a 5 anos com uma antecedência de 5 anos, desceram no início do ano, em antecipação de uma maior restritividade da política monetária, mas, após o início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, começaram a subir de forma gradual, situando‑se em 2,38% em finais de dezembro. Importa destacar, porém, que as medidas baseadas no mercado de compensação pela inflação não constituem uma medida linear das expetativas de inflação efetivas dos participantes no mercado, pois incorporam prémios de risco para compensar a incerteza quanto à inflação.

Gráfico 1.13

Indicadores das expetativas de inflação baseados em inquéritos e no mercado

(taxas de variação homólogas (%))

Fontes: Eurostat, Refinitiv, Consensus Economics, Inquérito a Analistas Profissionais (IAP) do BCE e cálculos do BCE.
Notas: Os indicadores baseados no mercado das séries da compensação pela inflação têm por base a taxa de swap indexada à inflação à vista a 1 ano, a taxa a prazo a 1 ano com uma antecedência de 1 ano, a taxa a prazo a 1 ano com uma antecedência de 2 anos, a taxa a prazo a 1 ano com uma antecedência de 3 anos e a taxa a prazo a 1 ano com uma antecedência de 4 anos. A observação mais recente para os indicadores baseados no mercado da compensação pela inflação refere‑se a 30 de dezembro de 2022. O IAP relativo ao quarto trimestre de 2022 foi realizado entre 30 setembro e 6 de outubro de 2022. A data de fecho das previsões a longo prazo da Consensus Economics foi outubro de 2022, ao passo que a data de fecho da informação para o IAP relativa a 2022 e 2023 foi dezembro de 2022. A observação mais recente para o IHPC refere‑se a dezembro de 2022.

1.5 Condições de crédito e de financiamento mais restritivas com a normalização da política monetária

A normalização da política monetária gerou taxas de rendibilidade das obrigações mais elevadas, num contexto de considerável volatilidade

Com o aumento das pressões inflacionistas no conjunto da economia (ver a secção 1.4), o BCE atuou com determinação em 2022 para normalizar a política monetária e evitar um desancorar das expetativas de inflação a mais longo prazo acima do seu objetivo de 2% (ver a secção 2.1). As taxas de juro de longo prazo isentas de risco apresentaram‑se mais voláteis do que em 2021, em parte devido à incerteza muito elevada acerca da inflação e à reação das autoridades monetárias em todo o mundo, incluindo na área do euro. As taxas de rendibilidade de longo prazo aumentaram em geral. A média ponderada pelo PIB da área do euro das taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública a 10 anos acompanhou de perto a evolução da taxa isenta de risco (gráfico 1.14). A nível dos países, apesar de algumas diferenças, os movimentos nos diferenciais das obrigações de dívida pública foram contidos de um modo geral, em parte devido ao anúncio do Conselho do BCE, em junho, de que iria aplicar flexibilidade no reinvestimento dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme – PEPP) e à aprovação, em julho, do Instrumento de Proteção da Transmissão (ver a secção 2.1). A média ponderada pelo PIB da área do euro das taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a 10 anos situou‑se em 3,26% em 31 de dezembro de 2022, quase 300 pontos base acima do valor registado no final de 2021.

Gráfico 1.14

Taxas de juro de longo prazo e custo do crédito às empresas e às famílias para aquisição de habitação

(percentagens por ano)

Fontes: Bloomberg, Refinitiv e cálculos do BCE.
Notas: Os dados referem‑se à média ponderada pelo PIB das taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública a 10 anos (dados diários), à taxa dos swaps indexados pelo prazo overnight a 10 anos (dados diários), ao custo do crédito às sociedades não financeiras (dados mensais) e ao custo do crédito às famílias para aquisição de habitação (dados mensais). Os indicadores do custo do crédito são calculados através da agregação das taxas ativas bancárias de curto e de longo prazo utilizando uma média móvel de 24 meses dos volumes de novas operações. As últimas observações referem‑se a 31 de dezembro de 2022 para os dados diários e a dezembro de 2022 para os dados mensais.

As condições de financiamento tornaram‑se mais restritivas nos mercados obrigacionistas e acionistas

As expetativas de taxas de juro mais elevadas e de um crescimento menor dos lucros a longo prazo exerceram pressão em sentido descendente sobre os preços das ações. Em geral, os preços das ações na área do euro apresentaram‑se muito voláteis e desceram em 2022. Em 31 de dezembro de 2022, os índices alargados de cotações das ações das sociedades não financeiras e dos bancos da área do euro (gráfico 1.15) situaram‑se cerca de 16% e 4,4% abaixo dos níveis correspondentes no final de 2021. Dado que as taxas de rendibilidade das obrigações de empresas também aumentaram muito, tanto nas categorias com notação de investimento como nas categorias de elevada rendibilidade, as condições de financiamento na área do euro tornaram‑se consideravelmente mais restritivas.

Gráfico 1.15

Índices dos mercados acionistas na área do euro e nos Estados Unidos

(índice: 1 de janeiro de 2021 = 100)

Fontes: Bloomberg, Refinitiv e cálculos do BCE.
Notas: O índice de mercado da Refinitiv referente às sociedades não financeiras e o índice EURO STOXX relativo aos bancos são utilizados para a área do euro. Para os Estados Unidos, são utilizados o índice de mercado da Refinitiv referente às sociedades não financeiras e o índice S&P relativo aos bancos. As últimas observações referem‑se a 31 de dezembro de 2022.

Perante a normalização da política monetária e a evolução geral do mercado, os custos de financiamento dos bancos e as taxas ativas bancárias subiram de forma acentuada em 2022. A tendência, em geral, ascendente das taxas de rendibilidade das obrigações bancárias, o aumento gradual da remuneração dos depósitos de clientes e a alteração dos termos e condições da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas III) perto do final do ano contribuíram para um aumento dos custos de financiamento dos bancos. Em resultado, as taxas ativas bancárias nominais aumentaram em 2022 para níveis observados pela última vez em 2014. O inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito da área do euro indicou também que os critérios de concessão de crédito dos bancos (ou seja, orientações internas ou critérios de aprovação de empréstimos) a famílias e empresas passaram a ser substancialmente mais restritivos. A taxa ativa bancária compósita dos empréstimos às famílias para aquisição de habitação situou‑se em 2,94% no final de 2022, o que representa um aumento acumulado de 163 pontos base desde o final de 2021, tendo a taxa equivalente aplicável às sociedades não financeiras sido de 3,41%, o que corresponde a um aumento de 205 pontos base (gráfico 1.14). Considerada em relação às alterações nas taxas de juro diretoras do BCE, esta evolução foi, em geral, conforme à verificada em períodos anteriores de aumento da restritividade da política monetária, tendo as diferenças nas taxas ativas entre países permanecido contidas. Tal sugeriu que as alterações à política monetária do BCE foram transmitidas de forma regular em toda a área do euro.

O crescimento do crédito aumentou no primeiro semestre de 2022, mas registou posteriormente uma moderação tanto para as famílias como para as empresas

O crescimento do crédito aumentou no primeiro semestre de 2022, embora os novos empréstimos tenham registado uma moderação após o verão, em resultado de condições de crédito mais restritivas (gráfico 1.16). A taxa de crescimento anual dos empréstimos bancários às famílias enfraqueceu para 3,8% para o ano, refletindo a subida das taxas de juro, a maior restritividade dos critérios de concessão de empréstimos e a menor confiança dos consumidores. A taxa de crescimento anual do crédito bancário às empresas ainda aumentou em 2022, para 6,3%, embora tal oculte diferentes desenvolvimentos no decurso do ano. O crescimento nominal foi robusto durante a maior parte do ano, refletindo a necessidade de as empresas financiarem fundos de maneio e existências, devido aos persistentes estrangulamentos no abastecimento e a custos elevados. No entanto, nos últimos meses do ano, a concessão de empréstimos bancários a empresas diminuiu consideravelmente, refletindo o impacto de condições de financiamento mais restritivas sobre os fatores do lado da oferta e da procura. A emissão líquida de títulos de dívida, que se tinha tornado mais cara para as empresas, também diminuiu no decurso do ano. No total, os fluxos líquidos de financiamento externo das sociedades não financeiras diminuíram em 2022, principalmente devido a uma redução dos empréstimos entre empresas como forma de financiamento (gráfico 1.17). Além disso, o inquérito sobre o acesso das empresas a financiamento indicou um pessimismo crescente das empresas quanto à disponibilidade futura da maioria das fontes de financiamento externo.

Gráfico 1.16

Crescimento do M3 e crescimento do crédito às sociedades não financeiras e às famílias

(taxas de variação homólogas (%))

Fonte: BCE.
Notas: A segunda linha apresenta o crescimento do crédito ao setor privado. Definido como instituições financeiras não monetárias excluindo o setor das administrações públicas, o setor privado compreende essencialmente as sociedades não financeiras e as famílias. As últimas observações referem‑se a dezembro de 2022.

Gráfico 1.17

Fluxos líquidos de financiamento externo a sociedades não financeiras

(fluxos anuais em mil milhões de euros)

Fontes: BCE e Eurostat.
Notas: IFM: instituição financeira monetária. Em “Empréstimos do setor não monetário e do resto do mundo”, as instituições financeiras não monetárias consistem em outros intermediários financeiros, fundos de pensões e sociedades de seguros. “Empréstimos das IFM” e “Empréstimos do setor não monetário e do resto do mundo” são corrigidos da venda e titularização de empréstimos. “Outros” corresponde à diferença entre o total e os instrumentos incluídos no gráfico e consiste sobretudo em empréstimos entre empresas e crédito comercial. O fluxo anual para um ano é calculado como a soma de quatro trimestres dos fluxos. As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

Verificou‑se uma moderação no crescimento do agregado monetário largo com a cessação das compras líquidas de ativos pelo Eurosistema e a diminuição da criação de crédito

O ritmo de acumulação de depósitos moderou‑se face aos níveis elevados registados durante a pandemia, devido sobretudo a maiores despesas, em resultado da subida dos preços, e a retornos mais elevados proporcionados por formas alternativas de poupança, em consonância com a normalização da política monetária. O crescimento anual do agregado monetário largo (M3) registou nova moderação para 4,1% em 2022 (gráfico 1.16), refletindo a cessação das compras líquidas de ativos pelo Eurosistema em julho, a menor criação de crédito no último trimestre de 2022 e saídas monetárias líquidas para o resto do mundo associados à fatura energética mais elevada da área do euro.

Caixa 1
Evolução do mercado de trabalho na área do euro e nos Estados Unidos em 2022

Num contexto de elevada incerteza em 2022, as análises do mercado de trabalho foram um elemento essencial da avaliação do estado da economia e do grau de margem disponível. A presente caixa examina as semelhanças e diferenças entre os mercados de trabalho da área do euro e dos Estados Unidos no que respeita à recuperação da pandemia.

Evolução do total de horas trabalhadas

Em 2022, o total de horas trabalhadas recuperou para níveis pré‑pandemia tanto na área do euro como nos Estados Unidos, mas a recuperação refletiu trajetórias distintas das componentes de oferta e procura de mão de obra. Apesar de, em 2022, as taxas de desemprego terem regressado aos níveis observados antes da crise nos Estados Unidos e até a níveis mais baixos na área do euro, o grau de restritividade do mercado de trabalho, medido pelo rácio de postos de trabalho por preencher em relação ao desemprego, pareceu ser mais forte nos Estados Unidos[6]. Esta evolução pode ser atribuída tanto a divergências nas respostas de política à pandemia como a diferenças estruturais na oferta e procura de mão de obra entre as duas economias.

Evolução da procura de mão de obra

Em 2022, as duas economias encontravam‑se em fases diferentes do ciclo económico. A procura de mão de obra cíclica era mais forte nos Estados Unidos e, por conseguinte, parcialmente responsável pela maior restritividade do mercado de trabalho. Na área do euro, a atividade económica recuperou dos mínimos observados durante a pandemia mais tarde do que nos Estados Unidos. O PIB real na área do euro regressou ao nível pré‑crise no último trimestre de 2021, enquanto nos Estados Unidos este foi atingido no primeiro trimestre de 2021. Até certo ponto, tal refletiu medidas de confinamento mais restritivas e generalizadas em muitos países da área do euro na segunda vaga da pandemia do que nos Estados Unidos, assim como diferenças na velocidade de vacinação. Contudo, um fator mais importante foi a divergência em termos de magnitude e incidência das medidas orçamentais. O apoio orçamental na área do euro concentrou‑se em minorar as perdas de postos de trabalho, mediante a prestação de apoio às empresas, e em permitir a atuação dos estabilizadores automáticos. Nos Estados Unidos, o apoio orçamental foi maior e incidiu mais diretamente no apoio ao rendimento das famílias e, por conseguinte, ao consumo, através de cheques de ajuda e subsídios de desemprego reforçados. Assim, o consumo privado na área do euro regressou ao nível anterior à crise ainda mais tarde do que a atividade económica em geral, ou seja, apenas no segundo trimestre de 2022.

Além disso, de uma perspetiva mais estrutural, o mercado de trabalho dos Estados Unidos tende a reagir mais fortemente ao ciclo económico do que o da área do euro. Medidas de rotação de mão de obra mostram que o mercado de trabalho dos Estados Unidos é estruturalmente mais dinâmico. A expressão “rotação de mão de obra” refere‑se ao ritmo a que os empregados saem e são substituídos numa empresa ou organização num certo período de tempo. Uma medida rudimentar da rotação de mão de obra indica que, em média por mês, desde o início da década de 2000, cerca de 4% de todos os trabalhadores dos Estados Unidos mudaram de emprego. Não estão disponíveis indicadores da rotação de mão de obra para a área do euro, e as estatísticas mais comparáveis referem‑se a pessoas que deixaram o emprego e a pessoas que iniciaram uma atividade profissional recentemente (ainda que estas incluam também pessoas que transitam da inatividade/do desemprego para o emprego e vice‑versa). Essas estatísticas apontam para um aumento do número de pessoas que iniciaram uma atividade profissional, em particular em 2022, mas o aumento é menos pronunciado do que o registado nos Estados Unidos. Esta dinâmica é também visível no número de postos de trabalho por preencher nas duas regiões económicas: em 2022, este era mais alto nos Estados Unidos do que na área do euro (sendo considerável a variação entre os diversos países da área do euro[7]), onde o foco foi sobretudo no regresso do pessoal com postos de trabalho retidos a horas normais de trabalho (gráfico A).

Em suma, o dinamismo estrutural mais forte do mercado de trabalho dos Estados Unidos intensificou a pressão sobre uma procura de mão de obra já mais robusta.

Gráfico A

Restritividade do mercado de trabalho na área do euro e nos Estados Unidos

(rácio dos postos de trabalho por preencher em relação ao desemprego)

Fontes: Eurostat, Haver Analytics, US Bureau of Labor Statistics e cálculos do BCE.
Notas: O desvio refere‑se ao valor para os Estados Unidos menos o valor para a área do euro. Em França, os postos de trabalho por preencher são reportados apenas para empresas com dez ou mais empregados. As perdas de emprego durante a crise pandémica foram atenuadas pelo recurso generalizado a regimes de retenção de postos de trabalho na área do euro, que tinha diminuído para níveis muito baixos em meados de 2022. As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022.

Evolução da oferta de mão de obra

Durante a crise pandémica, a oferta de mão de obra diminuiu mais e recuperou mais lentamente dos mínimos atingidos no segundo trimestre de 2020 nos Estados Unidos do que na área do euro. A divergência no ritmo da recuperação da oferta de mão de obra deveu‑se, em parte, às diferenças nas políticas implementadas. Primeiro, a recuperação da participação da população ativa foi mais lenta nos Estados Unidos. Tal reflete em parte o facto de o maior número de despedimentos nos Estados Unidos ter levado alguns trabalhadores a sair da população ativa, enquanto o apoio relativamente generoso ao rendimento permitiu às pessoas não participar na população ativa por mais tempo ou mesmo elevar o salário pelo qual estariam dispostas a reentrar no mercado de trabalho. Ao longo de 2022, a taxa de participação da população ativa nos Estados Unidos continuou abaixo do nível anterior à pandemia, contrastando fortemente com a área do euro, onde a taxa de participação excedeu o nível pré‑pandemia. Segundo, a evolução recente da participação da população ativa é também parcialmente moldada por tendências de longo prazo. Com o tempo, a percentagem de trabalhadores mais velhos na população ativa, os quais normalmente participam menos no mercado de trabalho do que os trabalhadores mais novos, aumentou em ambas as zonas económicas. Na Europa, esta mudança coincidiu com uma tendência positiva nas taxas de participação, devido a uma maior participação de mulheres, e foi impulsionada por reformas dos regimes de pensões. A tendência continuou durante a pandemia e os trabalhadores mais velhos apoiaram o aumento da taxa de participação da população ativa em 2022. Contudo, nos Estados Unidos, desenvolvimentos demográficos pesaram sobre a taxa de participação da população ativa em 2022. Por último, embora as entradas líquidas de trabalhadores migrantes tenham sido negativamente afetadas pela pandemia em ambas as regiões, nos Estados Unidos começaram a moderar‑se mais cedo, na sequência do aumento da restritividade das políticas de imigração entre 2017 e 2020. No entanto, recentemente, as entradas líquidas de trabalhadores migrantes recuperaram fortemente em ambas as regiões.

Evolução salarial

O desvio entre o crescimento salarial nos Estados Unidos e na área do euro alargou‑se nos últimos anos, o que foi particularmente visível em 2022. Em grande medida, tal decorre da diferente evolução da oferta e da procura de mão de obra, como atrás explicado. A partir do segundo trimestre de 2020, o crescimento dos salários nominais nos Estados Unidos aumentou substancialmente, situando‑se em 5,5% no segundo trimestre de 2022, medido pelo índice dos custos do emprego (indústria privada). Registou uma moderação desde então, mas permaneceu elevado. O aumento do crescimento dos salários na área do euro neste período foi mais gradual e limitado, situando‑se o crescimento dos salários negociados (que é muito menos afetado por regimes de retenção de postos de trabalho do que a remuneração por empregado ou por hora) em 2,9% no quarto trimestre de 2022 (gráfico B). O mercado de trabalho estruturalmente mais dinâmico dos Estados Unidos poderá também intensificar a reação dos salários à restritividade do mercado de trabalho, como refletido no crescimento mais elevado dos salários dos trabalhadores que mudam de emprego.

Gráfico B

Medidas do crescimento salarial na área do euro e nos Estados Unidos

(taxas de variação homólogas (%))

Fontes: Eurostat, Haver Analytics e cálculos dos especialistas do BCE.
Nota: As últimas observações referem‑se ao quarto trimestre de 2022 quer para os salários negociados da área do euro quer para o índice dos custos do emprego nos Estados Unidos (indústria privada).

2 Política monetária numa trajetória de normalização

Em 2022, o BCE continuou a normalizar a sua política monetária a fim de combater a inflação excecionalmente elevada, no contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia e dos efeitos duradouros da pandemia. Na primeira fase de normalização, o Conselho do BCE descontinuou as aquisições líquidas de ativos ao abrigo do PEPP no final de março e do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) no início de julho. Na segunda fase, as taxas diretoras do BCE foram aumentadas pela primeira vez em mais de uma década e a taxa de juro da facilidade permanente de depósito deixou de se situar em terreno negativo pela primeira vez desde 2014. Nas últimas quatro reuniões do ano, as taxas diretoras aumentaram 250 pontos base em termos acumulados, sendo de destacar as maiores subidas de taxa alguma vez registadas a nível individual (gráfico 2.1). O Conselho do BCE aprovou igualmente o Instrumento de Proteção da Transmissão para assegurar uma transmissão regular da política monetária na área do euro. Além disso, a flexibilidade disponível para os reinvestimentos ao abrigo do PEPP constituiu a primeira linha de defesa contra os riscos para a transmissão relacionados com a pandemia. Em dezembro, o Conselho do BCE decidiu reduzir a carteira de títulos de política monetária adquiridos pelo Eurosistema ao abrigo do APP, a um ritmo comedido e previsível, a partir de março de 2023. O balanço do Eurosistema atingiu um máximo histórico em junho de 2022, de 8,8 biliões de euros, antes de descer para 8,0 biliões de euros no final do ano. A redução resultou sobretudo do vencimento de operações e de reembolsos antecipados no âmbito da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (ORPA direcionadas III). Os reembolsos antecipados foram sustentados pela decisão do Conselho do BCE em outubro de alterar os termos e condições das ORPA direcionadas III. Em linha com a normalização da política monetária, o BCE também começou a eliminar gradualmente as medidas de flexibilização dos ativos de garantia introduzidas em resposta à pandemia, repondo assim gradualmente os níveis de tolerância ao risco anteriores à pandemia nas operações de crédito do Eurosistema.

2.1 Eliminação da acomodação da política monetária

Primeira fase de normalização da política: ritmo mais lento de aquisições de ativos e condições prévias para subidas das taxas de juro

No início de 2022, a pandemia ainda prejudicava o crescimento económico e a inflação era mais elevada do que o projetado

No início de 2022, a economia da área do euro continuou a recuperar da pandemia e o mercado de trabalho registou nova melhoria, sobretudo em resultado do apoio proporcionado pelas políticas públicas. No entanto, as perspetivas de curto prazo para o crescimento económico mantiveram‑se moderadas num contexto de aumento acentuado das infeções por coronavírus devido à propagação da variante Ómicron. A escassez de materiais, de equipamento e de mão de obra continuava a restringir a produção em alguns setores e os custos elevados dos produtos energéticos já prejudicavam os rendimentos reais. A inflação medida pelo IHPC tinha aumentado acentuadamente nos meses anteriores, voltando a ser mais elevada do que o projetado em janeiro. Tal deveu‑se sobretudo aos custos mais elevados dos produtos energéticos, que fizeram subir os preços em muitos setores, bem como aos preços mais altos dos produtos alimentares. Com base em dados disponíveis no início do ano, o Conselho do BCE considerou em fevereiro que a inflação provavelmente permaneceria elevada por um período mais prolongado do que o anteriormente esperado, mas que diminuiria no decurso do ano.

Em fevereiro, o Conselho do BCE prosseguiu a normalização da política monetária iniciada em dezembro de 2021

Por conseguinte, o Conselho do BCE confirmou a decisão tomada na sua reunião de política monetária de dezembro de 2021 de continuar a reduzir gradualmente o ritmo das aquisições de ativos nos trimestres subsequentes. Tinha decidido descontinuar as aquisições líquidas de ativos no âmbito do PEPP no final de março de 2022 e reinvestir os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no contexto do PEPP até, pelo menos, ao final de 2024. O Conselho do BCE sublinhou que, em caso de nova fragmentação do mercado relacionada com a pandemia, os reinvestimentos no contexto do PEPP poderiam ser ajustados de forma flexível ao longo do tempo, por classes de ativos e entre jurisdições sempre que ameaças à transmissão da política monetária comprometessem a consecução da estabilidade de preços. Tal poderia incluir aquisições de obrigações emitidas pela República Helénica num montante acima e para além das renovações de reembolsos, a fim de evitar uma interrupção das aquisições nessa jurisdição, o que poderia dificultar a transmissão da política monetária à economia grega enquanto esta ainda recuperava das consequências da pandemia.

A invasão da Ucrânia aumentou drasticamente a incerteza económica e as pressões sobre os preços

A invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro representou um ponto de viragem para a Europa. A guerra injustificada teve um impacto significativo na atividade económica e na inflação em 2022, incluindo na área do euro, através de preços dos produtos energéticos e das matérias‑primas mais elevados, da perturbação do comércio internacional e de uma confiança mais fraca. Em março, o Conselho do BCE concluiu que a amplitude destes efeitos dependeria da evolução da guerra, do impacto das sanções e de possíveis medidas adicionais. Reconhecendo a conjuntura extremamente incerta, o Conselho do BCE considerou um conjunto de cenários para além das habituais projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do BCE. O impacto da guerra foi avaliado no contexto de dados disponibilizados que indicavam condições subjacentes ainda sólidas para a economia da área do euro, em virtude de um apoio considerável em termos de políticas. A recuperação económica em curso foi impulsionada pelo desvanecimento do impacto da variante Ómicron do coronavírus. Os estrangulamentos no abastecimento mostravam alguns sinais de abrandamento e o mercado de trabalho continuava a melhorar. Ainda assim, na projeção de referência das projeções de março elaboradas por especialistas – que incorporaram uma primeira avaliação das implicações da guerra – o crescimento do PIB foi revisto em baixa no curto prazo. Antes da reunião de política monetária de março do Conselho do BCE, a inflação tinha continuado a ser mais elevada do que o projetado, sobretudo devido aos custos inesperadamente elevados dos produtos energéticos. Os aumentos dos preços também se tinham tornado mais generalizados nos vários setores. Em comparação com as projeções de dezembro de 2021 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a projeção de referência para a inflação medida pelo IHPC das projeções de março foi revista significativamente em alta, ao passo que as expetativas de inflação a mais longo prazo num conjunto de medidas estiveram em linha com o objetivo do BCE de 2% no médio prazo.

Em março, o Conselho do BCE procedeu à revisão do calendário de aquisições ao abrigo do APP

Com base nesta avaliação atualizada e tendo em conta a conjuntura incerta, o Conselho do BCE procedeu à revisão do calendário de aquisições ao abrigo do APP na sua reunião de política monetária de março, estabelecendo aquisições líquidas mensais de 40 mil milhões de euros em abril, 30 mil milhões de euros em maio e 20 mil milhões de euros em junho. A calibração das aquisições líquidas para o terceiro trimestre dependeria dos dados disponibilizados. O Conselho do BCE confirmou ainda a sua decisão anterior de que quaisquer ajustamentos das taxas de juro diretoras do BCE ocorreriam algum tempo após o termo das aquisições líquidas ao abrigo do APP. A trajetória das taxas de juro diretoras do BCE continuou a ser determinada pelas indicações sobre a orientação futura da política monetária fornecidas pelo Conselho do BCE, refletindo o seu compromisso estratégico de estabilização da inflação em 2% no médio prazo.

As projeções de junho elaboradas por especialistas reviram novamente em alta a trajetória da inflação

A inflação registou novamente um aumento significativo em maio, devido sobretudo ao impacto da guerra e à continuação da subida acentuada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares. Simultaneamente, as pressões inflacionistas generalizaram‑se e intensificaram‑se, tendo os preços de muitos bens e serviços registado uma forte subida. Neste contexto e com base nas projeções de referência de junho elaboradas por especialistas do Eurosistema, segundo as quais a inflação se situaria acima do objetivo de 2% no final do horizonte de projeção, o Conselho do BCE decidiu, em 9 de junho, dar novos passos no sentido da normalização da política monetária, guiado pelos princípios da opcionalidade, de uma abordagem assente em dados, do gradualismo e da flexibilidade.

O Conselho do BCE afirmou que cessaria as aquisições líquidas de ativos ao abrigo do APP e começaria a aumentar as taxas...

Primeiro, o Conselho do BCE decidiu cessar as aquisições líquidas de ativos ao abrigo do APP em 1 de julho de 2022. Afirmou que pretendia continuar a reinvestir, na totalidade, os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no âmbito do APP durante um período prolongado após a data em que começou a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE e, em qualquer caso, enquanto fosse necessário para manter condições de liquidez amplas e uma orientação de política monetária adequada.

Segundo, o Conselho do BCE concluiu em junho que se verificavam as condições para começar a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE, de acordo com as suas indicações sobre a trajetória futura das taxas de juro. Nessa conformidade, e em consonância com a sequência da política monetária anteriormente sinalizada, afirmou que tencionava aumentar as taxas de juro diretoras do BCE em 25 pontos base na reunião de política monetária de julho, prevendo‑se outro aumento em setembro.

Terceiro, de acordo com a avaliação de junho, o Conselho do BCE previu que uma trajetória gradual, mas sustentada, de novos aumentos das taxas de juro seria adequada para além de setembro, dependendo dos dados disponibilizados e da avaliação da evolução da inflação no médio prazo.

... e abordou preocupações acerca da transmissão da política monetária

As decisões tomadas em 9 de junho refletiram passos significativos no sentido da normalização da orientação da política monetária. Numa reunião ad hoc realizada em 15 de junho, o Conselho do BCE avaliou a situação nos mercados financeiros e os potenciais riscos de fragmentação e sublinhou a sua determinação em assegurar a transmissão ordenada da orientação da política monetária no conjunto da área do euro. Em particular, o Conselho do BCE considerou que a pandemia tinha deixado vulnerabilidades duradouras na economia da área do euro, as quais estavam a contribuir para uma transmissão desigual da normalização da política monetária do BCE entre jurisdições.

Com base nesta avaliação, o Conselho do BCE decidiu aplicar flexibilidade no reinvestimento dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do PEPP, com vista a preservar o funcionamento do mecanismo de transmissão da política monetária. Além disso, mandatou os comités do Eurosistema pertinentes, bem como os serviços do BCE, para acelerar a conclusão da conceção de um novo instrumento contra a fragmentação.

Segunda fase de normalização da política: Instrumento de Proteção da Transmissão e subidas das taxas diretoras

Em julho, o Conselho do BCE aprovou o Instrumento de Proteção da Transmissão...

O novo Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT) foi aprovado pelo Conselho do BCE na sua reunião de 21 de julho. O Conselho do BCE considerou que a criação do novo instrumento era necessária para apoiar a transmissão eficaz da política monetária, em particular no decurso da normalização da política monetária. O IPT asseguraria que a orientação da política monetária seria transmitida uniformemente em todos os países da área do euro. O IPT constitui uma adição ao conjunto de instrumentos do BCE e pode ser ativado para contrariar dinâmicas de mercado desordenadas, injustificadas e passíveis de representar uma ameaça grave para a transmissão da política monetária na área do euro. Desde que cumpram os critérios estabelecidos, o Eurosistema pode adquirir, no mercado secundário, títulos emitidos em jurisdições que registem uma deterioração das condições de financiamento que não seja justificada pelos fundamentos específicos de cada país, a fim de combater os riscos para o mecanismo de transmissão na medida do necessário. Se fosse ativado, o volume das aquisições de ativos ao abrigo do IPT dependeria da gravidade dos riscos para a transmissão da política monetária, sendo que as aquisições não estariam sujeitas a restrições prévias. Em julho, o Conselho do BCE sublinhou igualmente que, em todo o caso, a flexibilidade nos reinvestimentos dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do PEPP continuava a ser a primeira linha de defesa contra riscos para o mecanismo de transmissão relacionados com a pandemia. Em julho, o Conselho do BCE salientou também que mantinha o poder discricionário de realizar transações monetárias definitivas relativamente aos países que cumprissem os critérios exigidos. Embora o objetivo do IPT seja salvaguardar a transmissão regular da política monetária em todos os países da área do euro, as transações monetárias definitivas podem ser ativadas em caso de distorções profundas nos mercados de obrigações de dívida pública geradas, em particular, por receios sem fundamento, por parte dos investidores, relativamente à reversibilidade do euro.

Em julho, o Conselho do BCE decidiu também subir as taxas diretoras pela primeira vez desde 2011, aumentando as três taxas de juro diretoras do BCE em 50 pontos base. Considerou apropriado dar um primeiro passo maior, na sua trajetória de normalização das taxas de juro diretoras, do que o sinalizado na reunião anterior. Esta decisão assentou na avaliação atualizada do Conselho do BCE relativamente aos riscos de inflação e no apoio reforçado proporcionado pelo IPT para a transmissão eficaz da política monetária. O Conselho do BCE sinalizou igualmente que seria apropriado prosseguir a normalização das taxas de juro nos meses seguintes.

... e cessou as indicações sobre a trajetória futura das taxas diretoras

A antecipação da saída de taxas de juro negativas em julho permitiu ao Conselho do BCE efetuar a transição de indicações sobre a trajetória futura das taxas de juro para uma abordagem reunião a reunião nas suas decisões sobre as taxas de juro. Esta transição pareceu justificada tendo em conta a incerteza excecional em torno das perspetivas para a inflação e a economia.

Com a inflação acima de 9% em agosto e expetativas de que se manteria acima do objetivo no médio prazo, o Conselho do BCE aumentou as taxas em 75 pontos base adicionais em setembro

Em setembro, o Conselho do BCE decidiu aumentar as taxas de juro diretoras do BCE em 75 pontos base adicionais, o maior aumento individual destas taxas registado até à data. Tomou esta decisão porque a inflação permanecia demasiado elevada e os dados disponibilizados indicavam que continuaria a ser superior ao objetivo durante um período prolongado. A subida muito acentuada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, as pressões sobre a procura em alguns setores, devido à reabertura da economia, e os estrangulamentos no abastecimento ainda estavam a fazer subir a inflação, que tinha aumentado para 9,1% em agosto. Tal como em meses anteriores, as pressões sobre os preços continuaram a ganhar força e a generalizar‑se ao conjunto da economia. Os especialistas do BCE tinham revisto significativamente em alta as suas projeções para a inflação em setembro, em comparação com as projeções de junho, tendo a inflação medida pelo IHPC diminuído ao longo do horizonte de projeção, embora permanecendo acima do objetivo de 2% no último ano. Além disso, os dados disponibilizados apontavam para um abrandamento substancial do crescimento económico da área do euro, esperando‑se uma estagnação da economia na parte final do ano e no primeiro trimestre de 2023. Os preços muito elevados dos produtos energéticos continuaram a reduzir o poder de compra do rendimento das pessoas e os estrangulamentos no abastecimento ainda restringiam a atividade económica. Além disso, a situação geopolítica, em especial a guerra da Rússia contra a Ucrânia, pesaram sobre a confiança das empresas e dos consumidores. Neste contexto, as projeções de setembro para o crescimento económico elaboradas por especialistas foram revistas em baixa de forma acentuada até ao final de 2022 e ao longo de 2023.

Taxas diretoras positivas tornaram obsoleto o sistema de dois níveis para a remuneração de reservas excedentárias

O aumento das taxas de juro diretoras do BCE em 75 pontos base em setembro antecipou a transição de um nível extremamente acomodatício das taxas diretoras para níveis que assegurariam um regresso atempado da inflação ao objetivo do BCE de 2% no médio prazo. Com base na sua avaliação, o Conselho do BCE afirmou que esperava voltar a aumentar as taxas de juro nas reuniões seguintes para atenuar a procura e prevenir o risco de uma deslocação persistente das expetativas de inflação em sentido ascendente. Adicionalmente, dado que a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito tinha sido aumentada para um nível superior a zero, o sistema de dois níveis para a remuneração de reservas excedentárias deixaria de ser necessário. Por conseguinte, o Conselho do BCE decidiu suspender o sistema de dois níveis, fixando o multiplicador em zero. Além disso, a fim de preservar a eficácia da transmissão da política monetária e salvaguardar o funcionamento ordenado do mercado, o Conselho do BCE decidiu suprimir temporariamente o limite máximo de taxa de juro de 0% para a remuneração dos depósitos das administrações públicas. O limite máximo foi fixado temporariamente no valor mais baixo entre a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito e a taxa de juro de curto prazo do euro (euro short‑term rate – €STR), incluindo com uma taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito positiva. A medida deveria permanecer em vigor até 30 de abril de 2023 e foi concebida com o objetivo de evitar uma saída abrupta de depósitos para o mercado, numa altura em que alguns segmentos dos mercados de operações de recompra da área do euro apresentavam sinais de escassez de ativos de garantia, e de permitir uma avaliação aprofundada da forma como os mercados monetários estavam a ajustar‑se ao regresso a taxas de juro positivas.

Terceira fase de normalização da política: novos aumentos das taxas de juro e redução dos balanços

Dado ser provável que a inflação se mantenha elevada durante um período prolongado, o Conselho do BCE voltou a aumentar as taxas em 75 pontos base em outubro...

A inflação aumentou para 9,9% em setembro e 10,6% em outubro, o valor mais elevado da história da moeda única. A escalada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, os estrangulamentos no abastecimento e a recuperação da procura pós‑pandemia tinham resultado numa nova generalização das pressões sobre os preços e num aumento da inflação durante o verão. Neste contexto, o Conselho do BCE decidiu voltar a aumentar as três taxas de juro diretoras do BCE em 75 pontos base em outubro, salientando que, com este terceiro grande aumento consecutivo das taxas diretoras, tinha dado passos consideráveis para eliminar a acomodação da política monetária.

... e harmonizou os termos e condições das ORPA direcionadas III com a normalização mais geral da política

Em outubro, o Conselho do BCE decidiu ainda alterar os termos e condições das ORPA direcionadas III. Ajustou as taxas de juro aplicáveis às operações a partir de 23 de novembro ao indexar a taxa de juro paga à média das taxas de juro diretoras do BCE aplicáveis, tendo oferecido aos bancos três datas adicionais de reembolso antecipado voluntário. Durante a fase crítica da pandemia, este instrumento foi crucial para contrariar os riscos em sentido descendente para a estabilidade de preços. Contudo, devido à subida inesperada e extraordinária da inflação, foi necessário recalibrar este instrumento a fim de assegurar a sua compatibilidade com o processo mais geral de normalização da política monetária e reforçar a transmissão dos aumentos das taxas diretoras às condições de financiamento bancário. O Conselho do BCE esperava que a recalibração dos termos e condições das ORPA direcionadas III contribuísse para a normalização dos custos de financiamento dos bancos. Por seu turno, a normalização subsequente das condições de financiamento exerceria uma pressão em sentido descendente sobre a inflação, ajudando a restabelecer a estabilidade de preços no médio prazo. A recalibração também eliminou os fatores dissuasores do reembolso antecipado voluntário do saldo dos fundos obtidos nas ORPA direcionadas III. Os reembolsos antecipados voluntários reduziriam o balanço do Eurosistema, contribuindo assim para a normalização geral da política monetária. A recalibração das ORPA direcionadas III e os reembolsos subsequentes conduziram a uma diminuição substancial da liquidez excedentária.

Por último, no sentido de alinhar mais estreitamente a remuneração das reservas mínimas obrigatórias detidas pelas instituições de crédito junto do Eurosistema com as condições no mercado monetário, o Conselho do BCE decidiu que as reservas mínimas obrigatórias seriam remuneradas à taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito.

Em dezembro, assistiu‑se ao quarto aumento consecutivo das taxas de juro num contexto de inflação de dois dígitos e riscos de recessão crescentes

Em dezembro, o Conselho do BCE aumentou as taxas de juro pela quarta vez consecutiva, desta vez em 50 pontos base, visto que a inflação permanecia demasiado elevada e se previa que continuasse acima do objetivo do BCE durante demasiado tempo. O Conselho do BCE também afirmou que as taxas de juro ainda teriam de aumentar de forma significativa a um ritmo constante, no sentido de serem atingidos níveis que fossem suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao objetivo. A manutenção das taxas de juro em níveis restritivos reduziria, com o tempo, a inflação, ao refrear a procura, e protegeria também contra o risco de uma persistente deslocação, em sentido ascendente, das expetativas de inflação. A inflação situou‑se em 10,1% em novembro, ligeiramente abaixo da taxa de 10,6% registada em outubro. A descida deveu‑se sobretudo à menor inflação dos preços dos produtos energéticos. A inflação dos preços dos produtos alimentares e as pressões subjacentes sobre os preços no conjunto da economia tinham‑se intensificado e era expetável que persistissem durante algum tempo. Num contexto de incerteza excecional, os especialistas do Eurosistema tinham revisto significativamente em alta as suas projeções para a inflação em dezembro e consideravam que a inflação média atingiria 8,4% em 2022 e desceria depois para 6,3% em 2023, esperando uma descida marcada da inflação no decurso desse ano. Projetou‑se então que a inflação registaria nova diminuição para uma média de 3,4% em 2024 e de 2,3% em 2025. As projeções indicavam que a economia da área do euro poderia registar uma contração na viragem de 2022 para 2023, devido à crise energética, à elevada incerteza, ao enfraquecimento da atividade económica mundial e às condições de financiamento mais restritivas. No entanto, apontavam para a probabilidade de uma possível recessão ser relativamente curta e pouco profunda, ao passo que as perspetivas de crescimento para 2023 ainda tinham sido revistas significativamente em baixa em comparação com as projeções anteriores.

O Conselho do BCE definiu os princípios para a normalização do balanço

Em dezembro, o Conselho do BCE também discutiu os princípios para a redução das detenções de títulos ao abrigo do APP. Decidiu que, a partir do início de março de 2023, a carteira do APP diminuiria a um ritmo comedido e previsível, dado que o Eurosistema não reinvestiria todos os pagamentos de capital de títulos vincendos. A diminuição totalizaria, em média, 15 mil milhões de euros por mês até ao final do segundo trimestre de 2023 e o seu ritmo subsequente seria determinado com o tempo. O Conselho do BCE sublinhou igualmente que, até ao final de 2023, o BCE reanalisaria o seu quadro operacional utilizado para influenciar as taxas de juro de curto prazo, o que proporcionaria informação sobre o culminar do processo de normalização do balanço.

Gráfico 2.1

Alterações às taxas diretoras do BCE

(pontos percentuais)

Fonte: BCE.

2.2 Evolução do balanço do Eurosistema à medida que a política monetária normaliza

No primeiro semestre de 2022, o crescimento do balanço do Eurosistema abrandou à medida que as aquisições líquidas ao abrigo do APP e do PEPP foram gradualmente eliminadas. No segundo semestre, a normalização da política monetária em curso contribuiu para uma redução gradual do balanço. O balanço atingiu um máximo histórico em junho, situando‑se em 8,8 biliões de euros, antes de as aquisições líquidas de ativos ao abrigo do APP estarem concluídas em 1 de julho (gráfico 2.2). No final do ano, tinha caído para 8,0 biliões de euros, principalmente devido ao vencimento das ORPA direcionadas III e a reembolsos antecipados consideráveis, em particular após a alteração dos termos e condições das ORPA direcionadas III de modo a harmonizá‑los com o processo mais geral de normalização da política monetária.

No final de 2022, os ativos relacionados com a política monetária no balanço do Eurosistema ascendiam a 6,3 biliões de euros, o que corresponde a uma diminuição de 0,7 biliões de euros face ao final de 2021. Os empréstimos a instituições de crédito da área do euro constituíam 17% do total do ativo (face a 26% no final de 2021), e os títulos adquiridos para fins de política monetária representavam 62% do total do ativo (face a 55% no final de 2021). Os outros ativos financeiros no balanço compreendiam sobretudo moeda estrangeira e ouro detidos pelo Eurosistema e carteiras não relacionadas com a política monetária denominadas em euros.

Do lado do passivo, o montante total de reservas das instituições de crédito e o recurso à facilidade permanente de depósito diminuíram para 4,0 biliões de euros no final de 2022 (face a 4,3 biliões de euros no final de 2021) e representavam 50% do total do passivo (em conformidade com a percentagem registada no final de 2021). As notas em circulação aumentaram para 1,6 biliões de euros (face a 1,5 biliões de euros no final de 2021) e representavam 20% do total do passivo (face a 18%).

Gráfico 2.2

Evolução do balanço consolidado do Eurosistema

(em mil milhões de euros)

Fonte: BCE.
Notas: Os valores positivos referem‑se ao ativo e os valores negativos ao passivo. A linha correspondente à liquidez excedentária é apresentada como um valor positivo, embora se refira à soma das seguintes rubricas do passivo: depósitos à ordem que excedam as reservas mínimas e recurso à facilidade permanente de depósito.

Distribuição das carteiras do APP e do PEPP por classes de ativos e entre jurisdições

O APP inclui quatro programas de compra de ativos: o terceiro programa de compra de obrigações com ativos subjacentes (third covered bond purchase programme – CBPP3), o programa de compra de instrumentos de dívida titularizados (asset‑backed securities purchase programme – ABSPP), o programa de compra de ativos do setor público (public sector purchase programme – PSPP) e o programa de compra de ativos do setor empresarial (corporate sector purchase programme – CSPP). O PEPP foi introduzido em 2020 em resposta à pandemia. Todas as categorias de ativos elegíveis ao abrigo do APP são também elegíveis no âmbito do PEPP. Foi concedida uma derrogação dos requisitos de elegibilidade para títulos emitidos pela República Helénica. O Eurosistema descontinuou as aquisições líquidas ao abrigo do PEPP no final de março de 2022 e ao abrigo do APP em 1 de julho de 2022, tendo continuado a reinvestir integralmente os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos ao abrigo de ambos os programas. As aquisições continuaram a ser realizadas de forma regular e em conformidade com as respetivas condições prevalecentes no mercado.

Os ativos detidos ao abrigo do APP ascendiam a 3,3 biliões de euros no final de 2022

No final de 2022, os ativos detidos ao abrigo do APP ascendiam a 3,3 biliões de euros (ao custo amortizado). O PSPP representava a maior componente destes títulos, cifrando‑se em 2,6 biliões de euros ou 79% do total de títulos detidos ao abrigo do APP no final do ano. No PSPP, a afetação de compras por jurisdição da área do euro seguiu, em termos de volume, a tabela de repartição para subscrição do capital do BCE. Além disso, alguns bancos centrais nacionais (BCN) adquiriram títulos emitidos por instituições supranacionais da UE. O prazo de vencimento médio ponderado dos títulos detidos no contexto do PSPP era de 7,2 anos no final de 2022, com alguma variação entre jurisdições. O ABSPP correspondia a menos de 1% (23 mil milhões de euros), o CBPP3 a 9% (302 mil milhões de euros) e o CSPP a 11% (344 mil milhões de euros) do total de ativos detidos no âmbito do APP no final do ano. Entre os programas de compra de ativos do setor privado, o CSPP deu o maior contributo para o crescimento dos títulos detidos no âmbito do APP em 2022, com 34 mil milhões de euros de aquisições líquidas. As aquisições de obrigações de empresas e de obrigações com ativos subjacentes são efetuadas com base em índices de referência que refletem a capitalização bolsista do saldo de, respetivamente, todas as obrigações de empresas e obrigações com ativos subjacentes elegíveis. Em outubro de 2022, foram incorporadas considerações sobre as alterações climáticas no índice de referência do setor empresarial – para mais pormenores, ver a secção 11.5[8].

No final de 2022, os ativos detidos no âmbito do PEPP ascendiam a 1,7 biliões de euros

No final de 2022, os ativos detidos no âmbito do PEPP ascendiam a 1,7 biliões de euros (ao custo amortizado). As obrigações com ativos subjacentes representavam menos de 1% (6 mil milhões de euros), os títulos do setor empresarial constituíam 3% (46 mil milhões de euros) e os títulos do setor público representavam 97% (1629 mil milhões de euros) do total.

Relativamente às aquisições de títulos do setor público ao abrigo do PEPP, a referência, em termos de volume, para a afetação de compras entre jurisdições é a tabela de repartição para subscrição do capital do BCE. Ao mesmo tempo, as aquisições foram realizadas de forma flexível, o que conduziu a flutuações na distribuição dos fluxos de compras ao longo do tempo, por classes de ativos e entre jurisdições. O prazo de vencimento médio ponderado dos títulos do setor público detidos no contexto do PEPP situava‑se em 7,6 anos no final de 2022, com algumas diferenças entre jurisdições.

O Eurosistema reinvestiu os pagamentos de capital dos títulos vincendos detidos nas carteiras do APP e do PEPP. Os reembolsos de títulos do setor privado ascenderam a 77 mil milhões de euros em 2022, enquanto os reembolsos de títulos do setor público ao abrigo do PSPP e do PEPP totalizaram 446 mil milhões de euros. Os ativos adquiridos no contexto do PSPP, do CSPP, do CBPP3 e do PEPP continuaram a ser disponibilizados para empréstimo de títulos, a fim de apoiar a liquidez nos mercados obrigacionistas e nos mercados de operações de recompra. Devido ao aumento da procura de títulos num contexto de escassez de ativos de garantia nos mercados de operações de recompra, em novembro de 2022, o Conselho do BCE decidiu aumentar, para 250 mil milhões de euros, o limite estabelecido pelo Eurosistema de numerário que pode ser apresentado como garantia em operações de cedência de títulos.

Evolução das operações de refinanciamento do Eurosistema

No final de 2022, o saldo das operações de refinanciamento do Eurosistema cifrava‑se em 1,3 biliões de euros, o que representa uma diminuição de 878 mil milhões de euros face ao final de 2021. Esta mudança reflete sobretudo reembolsos antecipados voluntários (826 mil milhões de euros) e o vencimento de operações (54 mil milhões) no âmbito das ORPA direcionadas III. Dos reembolsos antecipados, 744 mil milhões de euros ocorreram na sequência da alteração dos termos e condições das ORPA direcionadas III que entrou em vigor em 23 de novembro de 2022. Adicionalmente, as operações de refinanciamento de prazo alargado devido a emergência pandémica (pandemic emergency long‑term refinancing operations – PELTRO) tinham vencido quase na totalidade no final de 2022, com apenas mil milhões de euros por vencer, o que compara com 3,4 mil milhões de euros no final de 2021. O prazo de vencimento médio ponderado das operações de refinanciamento do Eurosistema diminuiu de cerca de 1,7 anos no final de 2021 para 0,9 anos no final de 2022.

Eliminação gradual das medidas de flexibilização dos ativos de garantia relacionadas com a pandemia

Em março de 2022, o BCE anunciou a eliminação gradual das medidas de flexibilização dos ativos de garantia relacionadas com a pandemia. Estas medidas constituíram um elemento central da resposta de política monetária do BCE à pandemia, facilitando o acesso dos bancos às operações de crédito do Eurosistema e aumentando o volume de ativos de garantia elegíveis. De acordo com estimativas de especialistas do BCE, aproximadamente 10% do total de ativos de garantia mobilizados no final de fevereiro de 2022 ficou a dever‑se às medidas de flexibilização[9]. Este contributo foi predominantemente impulsionado pela redução temporária das margens de avaliação dos ativos de garantia num fator fixo de 20% em todas as classes de ativos e pelo alargamento dos regimes de direitos de crédito adicionais de alguns BCN.

Na primeira fase da eliminação gradual, com início em julho de 2022, a redução temporária das margens de avaliação passou de 20% para 10%. Além disso, foram gradualmente eliminadas várias medidas com um impacto e âmbito mais limitados. Tal incluiu a suspensão da elegibilidade de determinados ativos transacionáveis objeto de uma redução da notação de crédito e dos emitentes desses ativos que cumprissem os requisitos de qualidade de crédito em 7 de abril de 2020 e o restabelecimento do limite de 2,5% para instrumentos de dívida sem garantia, no conjunto de ativos de garantia de uma instituição de crédito, emitidos por qualquer outro grupo bancário individual.

Em junho de 2023 e março de 2024, serão implementadas duas novas fases da eliminação gradual. No âmbito da segunda fase, a revisão da matriz de margens de avaliação terá efeitos a partir de 29 de junho de 2023 e incluirá a eliminação total da redução temporária das margens de avaliação. A revisão da matriz é descrita em maior pormenor na secção 2.3. Em princípio, as restantes medidas de flexibilização dos ativos de garantia relacionadas com a pandemia serão eliminadas na terceira fase em março de 2024, na sequência de uma revisão profunda dos regimes de direitos de crédito adicionais. A derrogação do requisito mínimo de notação de crédito aplicável aos títulos de dívida transacionáveis emitidos pela República Helénica continuará a aplicar‑se, pelo menos, enquanto se mantiverem os reinvestimentos em obrigações de dívida pública grega ao abrigo do PEPP.

Evolução dos ativos transacionáveis elegíveis e dos ativos de garantia mobilizados

O montante de ativos transacionáveis elegíveis aumentou 759 mil milhões de euros em 2022, atingindo 17,1 biliões de euros no final do ano (gráfico 2.3). Os títulos emitidos por administrações centrais continuaram a constituir a maior classe de ativos (9,3 biliões de euros). Outras classes de ativos incluíram obrigações de empresas (1,9 biliões de euros), obrigações bancárias com garantia (1,7 biliões de euros) e obrigações bancárias sem garantia (1,7 biliões de euros). Os títulos emitidos por administrações regionais (595 mil milhões de euros), os instrumentos de dívida titularizados (562 mil milhões de euros) e outros ativos transacionáveis (1,3 biliões de euros) representaram, cada um, uma fração comparativamente pequena do universo de ativos elegíveis.

Gráfico 2.3

Evolução dos ativos transacionáveis elegíveis

(em mil milhões de euros)

Fonte: BCE.
Notas: Os valores dos ativos são montantes nominais. O gráfico apresenta as médias de dados em fim de mês para cada período.

Os ativos de garantia mobilizados diminuíram 314 mil milhões de euros, situando‑se em 2,5 biliões de euros no final de 2022 (gráfico 2.4). Os direitos de crédito (incluindo direitos de crédito adicionais), cujos montantes mobilizados ascenderam a 881 mil milhões de euros, continuaram a representar a classe de ativos mais importante utilizada como garantia. Registou‑se igualmente uma considerável mobilização de obrigações bancárias com garantia (640 mil milhões de euros), instrumentos de dívida titularizados (392 mil milhões de euros) e títulos emitidos por administrações centrais (330 mil milhões de euros). As obrigações bancárias sem garantia, os títulos emitidos por administrações regionais e as obrigações de empresas foram utilizados em menor escala, representando 113 mil milhões de euros, 62 mil milhões de euros e 55 mil milhões de euros, respetivamente.

Gráfico 2.4

Evolução dos ativos de garantia mobilizados

(em mil milhões de euros)

Fonte: BCE.
Notas: Desde o primeiro trimestre de 2013, os “ativos não transacionáveis” foram divididos em “direitos de crédito” e “depósitos a prazo e em numerário”. No que diz respeito aos ativos de garantia, são apresentadas as médias de dados em fim de mês para cada período e exibidos os valores após valorização e aplicação das margens de avaliação. Relativamente ao crédito por liquidar, são utilizados dados diários.

2.3 Riscos financeiros em tempos de normalização da política monetária

A eficiência em termos de riscos é um princípio‑chave da função de gestão do risco do Eurosistema

Todos os instrumentos de política monetária acarretam riscos financeiros, que o Eurosistema gere através de quadros específicos de gestão do risco na prossecução dos seus objetivos de política monetária. Quando existem diversas formas de executar a política, a função de gestão do risco do Eurosistema visa alcançar a eficiência em termos de riscos, ou seja, atingir os objetivos de política com o menor risco possível para o Eurosistema[10].

Em 2022, dada a normalização gradual da política monetária e em conformidade com o plano de ação climática estabelecido pelo Conselho do BCE, o Eurosistema introduziu alterações nos seus quadros de gestão do risco. O Conselho do BCE decidiu eliminar gradualmente as medidas de flexibilização dos ativos de garantia que tinha introduzido em resposta à pandemia e restabelecer os níveis de tolerância ao risco anteriores à pandemia nas operações de crédito do Eurosistema. Introduziu igualmente considerações sobre as alterações climáticas no quadro de aquisição de títulos do setor empresarial. A subida das taxas de juro reduzirá a rendibilidade do Eurosistema no futuro próximo.

Análise regular do quadro de controlo do risco aplicável às operações de crédito

A matriz de margens de avaliação atualizada será implementada em meados de 2023

Em 2022, o BCE realizou a sua análise regular do quadro de controlo do risco aplicável às operações de crédito para efeitos de política monetária, o que resultou numa atualização da matriz de margens de avaliação. Os resultados da análise serão implementados em junho de 2023 com a segunda fase da eliminação gradual das medidas de flexibilização dos ativos de garantia. O processo de eliminação gradual é explicado na secção 2.2. Esta abordagem restabelecerá gradualmente os níveis de tolerância ao risco anteriores à pandemia nas operações de crédito do Eurosistema, evitando simultaneamente “efeitos de queda abrupta” na disponibilidade de ativos de garantia.

As principais alterações à matriz de margens de avaliação podem ser sintetizadas como a seguir exposto: i) as obrigações da UE (instrumentos de dívida emitidos pela UE) serão transferidas da categoria de margens de avaliação II para a categoria de margens de avaliação I, sendo consequentemente tratadas da mesma forma que os instrumentos de dívida emitidos pelas administrações centrais; ii) todas as obrigações com ativos subjacentes legislativas e multi‑cédulas serão incluídas na categoria de margens de avaliação II, eliminando‑se assim a distinção entre obrigações com ativos subjacentes do tipo Jumbo e outras obrigações com ativos subjacentes; iii) as margens de avaliação serão as mesmas para os instrumentos de dívida transacionáveis com cupões de taxa variável e de taxa fixa; iv) a categoria de prazo de vencimento residual mais longo (superior a 10 anos) será dividida em três para melhor cobrir os riscos das obrigações de longo prazo; e v) a redução fixa de valorização teórica de 5% será substituída por uma redução de valorização que varia em função do prazo de vencimento e a sua aplicação será alargada a todos os ativos transacionáveis valorizados teoricamente, exceto os que pertençam à categoria de margens de avaliação I.

Em termos gerais, a eliminação total da redução temporária das margens de avaliação, com base numa matriz de margens de avaliação atualizada, assegurará um nível apropriado de proteção contra o risco, aperfeiçoará a coerência do quadro e melhorará a equivalência de risco dos ativos, assegurando simultaneamente a disponibilidade de ativos de garantia.

Gestão dos riscos das aquisições de ativos ao abrigo do APP e do PEPP

Em 2022, continuaram a ser realizadas aquisições de ativos para fins de política monetária ao abrigo do APP e do PEPP, para os quais existem quadros específicos de controlo do risco financeiro. Estes quadros têm em conta os objetivos dos programas a nível de políticas, bem como as caraterísticas e os perfis de risco dos diferentes tipos de ativos adquiridos. Os quadros contemplam critérios de elegibilidade, avaliações do risco de crédito e procedimentos de diligência devida, regimes de preço, índices de referência e limites. São aplicáveis a aquisições líquidas de ativos, ao reinvestimento dos pagamentos de capital dos títulos vincendos, bem como aos ativos associados a estes programas enquanto se mantiverem no balanço do Eurosistema. O quadro 2.1 sintetiza os atuais elementos principais destes quadros, refletindo as alterações introduzidas em 2022.

Espera‑se que as aquisições futuras de papel comercial sejam limitadas

Como parte da resposta de política à pandemia, o Eurosistema efetuou aquisições substanciais de papel comercial ao abrigo do PEPP. Tendo em conta a interrupção das aquisições líquidas de ativos ao abrigo do PEPP e do APP, as aquisições futuras de papel comercial deverão, em geral, ser limitadas. Quaisquer aquisições futuras de papel comercial centrar‑se‑ão no APP e serão realizadas a preços controlados[11].

Os reinvestimentos do setor empresarial orientaram‑se para emitentes com um melhor desempenho climático

A partir de outubro de 2022, o Eurosistema orientou os seus reinvestimentos de pagamentos de capital dos títulos do setor empresarial vincendos para emitentes com um melhor desempenho climático. Esta medida é explicada em maior pormenor na secção 11.5[12].

Quadro 2.1

Elementos‑chave dos quadros de controlo do risco aplicáveis ao APP e ao PEPP

Fonte: BCE.
Notas: CAC: cláusula de ação coletiva; CQS (do inglês “credit quality step”): nível de qualidade de crédito segundo a escala de notação de crédito harmonizada do Eurosistema (ver a secção Eurosystem credit assessment framework do sítio do BCE).
1) Os instrumentos de dívida titularizados com uma notação inferior ao nível 2 de qualidade de crédito (CQS 2) têm de cumprir requisitos adicionais, os quais incluem: i) a exclusão de créditos não produtivos dos ativos subjacentes ao instrumento de dívida titularizado à data de emissão ou adicionados durante a vida deste, ii) a não inclusão de ativos geradores de fluxos financeiros que sejam estruturados, sindicados ou alavancados nos ativos subjacentes ao instrumento de dívida titularizado e iii) a vigência de disposições relativas à continuidade do serviço de dívida.
2) Ver a secção Implementation aspects of the public sector purchase programme (PSPP) do sítio do BCE.

A subida das taxas de juro pode afetar os lucros do Eurosistema

À medida que as taxas de juro sobem, a despesa com juros dos bancos centrais começa por aumentar mais rapidamente do que os rendimentos

Em 2022, o BCE aumentou várias vezes as suas taxas de juro diretoras, em resposta aos choques extraordinariamente grandes sobre as perspetivas de inflação. Por seu turno, as taxas de juro mais elevadas afetam os lucros do BCE e dos BCN dos países da área do euro, podendo mesmo resultar em perdas financeiras. Tal deve‑se ao facto de o custo das responsabilidades no balanço dos bancos centrais ser mais sensível às taxas de juro no curto a médio prazo do que o rendimento gerado pelos respetivos ativos. Ao longo do tempo, o rendimento auferido com os ativos do Eurosistema também deverá aumentar, o que melhorará a rendibilidade.

Em anos anteriores, foram constituídas reservas financeiras que podem ser utilizadas para compensar perdas potenciais. Se estas reservas forem utilizadas na sua totalidade, quaisquer perdas remanescentes podem ser registadas no balanço e compensadas com lucros futuros sem afetar diretamente a capacidade dos bancos centrais do Eurosistema de funcionar eficazmente[13].

3 Setor financeiro europeu: deterioração das condições de estabilidade financeira

As condições de estabilidade financeira deterioraram‑se na área do euro no decurso de 2022, num contexto de inflação elevada, condições financeiras mais restritivas e perspetivas de crescimento mais fracas. As principais vulnerabilidades aumentaram ao longo do ano. Incluíram: i) preocupações quanto à sustentabilidade da dívida no que respeita a algumas empresas, famílias e soberanos, ii) valorizações de ativos financeiros que possam não ter refletido as perspetivas mais negativas para o crescimento, a inflação e as condições financeiras, iii) sobrevalorizações no mercado imobiliário, iv) um maior risco de crédito para os bancos e v) exposições ao risco de crédito e de liquidez entre instituições financeiras não bancárias. Para fazer face aos riscos decorrentes destas vulnerabilidades, as autoridades macroprudenciais tornaram gradualmente mais restritivas as medidas de política baseadas nos fundos próprios e/ou no mutuário. Além disso, prosseguiram os trabalhos para reforçar o quadro regulamentar aplicável aos bancos e a abordagem macroprudencial no que se refere às instituições financeiras não bancárias com vista a aumentar ainda mais a resiliência a longo prazo do sistema financeiro.

3.1 Enquadramento da estabilidade financeira em 2022

Os riscos para a estabilidade financeira aumentaram à medida que as condições macrofinanceiras enfraqueceram

As condições de estabilidade financeira deterioraram‑se na área do euro no decurso de 2022, refletindo uma inflação elevada, condições financeiras mais restritivas e perspetivas de crescimento mais fracas. A invasão da Ucrânia pela Rússia desencadeou aumentos substanciais dos preços das matérias‑primas e dos produtos energéticos, os quais, em conjunto com as pressões sobre as cadeias de abastecimento mundiais, fomentaram pressões inflacionistas. Tal levou os principais bancos centrais a ajustarem a respetiva orientação da política monetária, o que contribuiu para uma maior restritividade das condições financeiras mundiais, uma maior volatilidade nos mercados financeiros e correções dos preços dos ativos. O apoio orçamental em larga escala numa altura de subida das taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública resultou num aumento dos custos do serviço da dívida, em particular nos países mais endividados, enquanto a inflação elevada pesou sobre o rendimento real das famílias e os custos das empresas. Consequentemente, embora os bancos da área do euro tenham beneficiado de taxas de juro mais elevadas, aumentaram as preocupações quanto à qualidade dos seus ativos. As instituições financeiras não bancárias continuaram a enfrentar riscos de crédito e de liquidez elevados, embora tenham tomado medidas para reduzir, em certa medida, os níveis do risco de carteira.

Inflação elevada, riscos de recessão e condições financeiras mais restritivas colocaram desafios aos soberanos, empresas e famílias endividados

A inflação elevada e a maior restritividade das condições financeiras pesaram sobre a situação financeira dos soberanos, das empresas e das famílias em 2022. Com níveis de dívida já elevados decorrentes da pandemia, os governos da área do euro prestaram um novo apoio orçamental considerável a fim de atenuar o impacto da subida dos preços dos produtos energéticos e da inflação. Ao mesmo tempo, as taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública aumentaram acentuadamente, o que reavivou as preocupações quanto à fragmentação nos mercados de dívida soberana da área do euro. Até certo ponto, estas preocupações foram atenuadas por medidas de política, como o anúncio do IPT do BCE. No setor empresarial, os preços mais elevados dos produtos energéticos e das matérias‑primas colocaram desafios, em particular, aos setores com utilização intensiva de produtos energéticos que tiveram mais dificuldade em transmitir os custos mais elevados aos clientes, tais como algumas empresas de serviços básicos e de construção. As pequenas e médias empresas beneficiaram menos do que as empresas de maior dimensão da recuperação da atividade económica pós‑pandemia e permaneceram particularmente vulneráveis a um abrandamento da atividade económica e a custos de financiamento mais elevados. A capacidade de serviço da dívida das famílias foi enfraquecida pela erosão do rendimento disponível real e das poupanças em resultado da inflação elevada, associada ao aumento das taxas de juro, em particular nos países com níveis de dívida das famílias mais elevados. Embora o crescimento dos preços dos imóveis permanecesse forte na área do euro, verificaram‑se sinais de que a expansão do setor imobiliário nos últimos anos poderia terminar, dado que as estimativas de sobrevalorização eram elevadas, as taxas aplicáveis a novas hipotecas tinham aumentado e o crescimento do crédito hipotecário tinha abrandado. Uma viragem no ciclo imobiliário pode agravar as vulnerabilidades dos rendimentos e da situação financeira das famílias da área do euro.

Os mercados financeiros registaram grandes correções de preços com a subida das taxas de juro

Os mercados financeiros da área do euro registaram grandes quedas de preços em 2022, refletindo sobretudo o impacto direto de taxas de juro mais elevadas. Embora estas correções tenham sido, em geral, ordenadas, verificou‑se um movimento paralelo invulgarmente forte dos preços num vasto leque de classes de ativos, o que complicou as estratégias de diversificação. No entanto, no segundo semestre de 2022 e especialmente após setembro, os índices dos mercados bolsistas divergiram do desempenho dos mercados obrigacionistas e aumentaram em toda a Europa, apoiados pelo aumento dos índices bancários. A atividade nos mercados primários – incluindo ofertas públicas iniciais e a emissão de obrigações de empresas de elevada rendibilidade – caiu significativamente em comparação com o ano anterior. Apesar das correções do mercado, os preços de alguns ativos de maior risco pareciam ainda estar sobrevalorizados, podendo não ter refletido plenamente as perspetivas mais negativas para o crescimento, a inflação e as condições financeiras. Além disso, grandes alterações nos preços das matérias‑primas e nos requisitos aplicáveis às margens associadas colocaram desafios à gestão de liquidez para alguns participantes nos mercados de derivados.

Taxas de juro mais elevadas apoiaram os lucros dos bancos, mas os custos de financiamento aumentaram e a qualidade dos ativos pareceu estar em risco

Em 2022, a rendibilidade dos bancos da área do euro manteve‑se robusta, sustentada por menores despesas de exploração, provisões ainda baixas para perdas com empréstimos e o aumento dos rendimentos de exploração, graças a margens mais amplas e volumes de crédito mais elevados. Apesar de um agravamento acentuado das perspetivas económicas, a qualidade dos ativos dos bancos da área do euro não mostrou sinais de deterioração generalizada, tendo o rácio de créditos não produtivos voltado a cair. No entanto, as tendências dos empréstimos com aumento considerável do risco de crédito (patamar 2 das três categorias ao abrigo da Norma Internacional de Relato Financeiro 9 (International Financial Reporting Standard 9 – IFRS 9)) sugeriram algum aumento do risco de crédito. Taxas de juro mais elevadas poderiam aumentar os riscos de crédito decorrentes da exposição dos bancos a setores vulneráveis, que cresceram nos últimos anos, incluindo aos mercados imobiliários residenciais. Do lado do passivo, os custos de financiamento através de obrigações aumentaram acentuadamente para os bancos em 2022, impulsionados predominantemente por expetativas de medidas de política monetária. Além disso, a subida das taxas aplicáveis a novos depósitos e o vencimento de fundos ao abrigo da terceira série de ORPA direcionadas III começaram a traduzir‑se em custos de financiamento médios mais elevados para os bancos. Estes fatores adversos cíclicos crescentes foram agravados por desafios a mais longo prazo decorrentes de uma reduzida eficiência de custos, da diversificação limitada das receitas e do excesso de capacidade produtiva em algumas partes do setor bancário da área do euro.

A exposição ao risco de crédito do setor financeiro não bancário manteve‑se elevada

Em 2022, a exposição global das instituições financeiras não bancárias ao risco de crédito manteve‑se elevada, o que as coloca em risco de sofrer perdas de crédito substanciais caso haja uma deterioração acentuada dos fundamentos do setor empresarial, especialmente nos setores com grande consumo energético. Além das necessidades de liquidez resultantes de resgates por parte dos investidores, da descontinuidade de apólices de seguros e de valores de cobertura adicionais, a queda generalizada dos preços dos ativos financeiros foi o principal fator impulsionador de uma descida considerável do valor total dos ativos no setor financeiro não bancário. Embora as detenções de numerário dos fundos de investimento tenham aumentado a partir do início de 2022, as respetivas detenções de ativos líquidos permaneceram relativamente baixas, sendo provável que amplifiquem uma correção do mercado através de um comportamento de venda pró‑cíclico caso um cenário adverso desencadeie grandes resgates. O risco de duração das instituições não bancárias também permaneceu elevado, expondo o setor a novas perdas de reavaliação da carteira de obrigações. No entanto, os setores dos seguros de vida e dos fundos de pensões, em particular, deverão beneficiar da transição para uma conjuntura de taxas de juro mais elevadas devido aos seus diferenciais de duração estruturais negativos. Não obstante, as instituições não bancárias reagiram ao aumento das taxas de rendibilidade e à deterioração das perspetivas económicas através da redução das suas detenções de obrigações soberanas e obrigações de empresas com notações mais baixas, diminuindo assim o risco nas suas carteiras.

Além dos riscos para cada setor, as alterações climáticas continuaram a colocar riscos para a estabilidade financeira na área do euro em 2022. Os bancos, os fundos e as seguradoras da área do euro têm de gerir as implicações da transição para uma economia mais ecológica, incluindo os riscos de concentração associados a exposições relacionadas com as alterações climáticas. Além disso, os riscos cibernéticos crescentes ameaçaram o sistema financeiro da área do euro, sublinhando a necessidade de um investimento contínuo em infraestruturas e segurança cibernéticas por parte das instituições financeiras e do reforço do acompanhamento por parte das autoridades.

3.2 Medidas de política macroprudencial para reforçar a resiliência do setor financeiro às vulnerabilidades acumuladas

As políticas macroprudenciais são um instrumento‑chave para fazer face às vulnerabilidades para a estabilidade financeira

O BCE tem a função de avaliar as medidas macroprudenciais em matéria de fundos próprios aplicadas aos bancos planeadas pelas autoridades nacionais dos países participantes no Mecanismo Único de Supervisão (MUS), o sistema de supervisão bancária da Europa. Importa realçar que o BCE tem o poder de aplicar medidas em matéria de fundos próprios mais rigorosas se necessário[14]. Este papel foi particularmente importante em 2022, devido às vulnerabilidades macrofinanceiras acumuladas nos últimos anos, incluindo durante a pandemia.

Promoção da resiliência do sistema financeiro e identificação das prioridades para a reforma regulamentar

Embora as perspetivas macroeconómicas e as condições de estabilidade financeira se tenham deteriorado na área do euro em 2022, os bancos abrangidos pela supervisão bancária europeia permaneceram bem posicionados para resistir aos desafios económicos em curso. Os progressos regulamentares e uma utilização ativa das políticas prudenciais tinham fortalecido os balanços e posições de capital dos bancos. Simultaneamente, as vulnerabilidades acumuladas, relacionadas, em particular, com a evolução do imobiliário residencial, mas também, de um modo mais geral, com o forte crescimento do crédito e o endividamento crescente do setor privado não financeiro, colocavam riscos a médio prazo. A invasão da Ucrânia pela Rússia tornou a situação macrofinanceira mais difícil, agravando estas vulnerabilidades e aumentando a probabilidade de ocorrência de riscos a curto prazo.

Para fazer face a estes riscos de médio prazo, um número considerável de países participantes na supervisão bancária europeia decidiu tornar mais restritivas as medidas macroprudenciais baseadas nos fundos próprios. No final de 2022, onze países tinham anunciado um aumento da reserva contracíclica de fundos próprios e três países tinham introduzido ou anunciado um aumento da reserva para risco sistémico (setorial)[15]. O BCE trocou opiniões com as autoridades nacionais e avaliou as medidas. Não se opôs às decisões, que foram consideradas compatíveis com a própria avaliação da necessidade de preservar a resiliência do setor bancário. Até ao final de 2022, 15 países tinham também aplicado medidas macroprudenciais baseadas no mutuário.

Em novembro de 2022, o Conselho do BCE emitiu uma declaração em que sublinhou o papel das reservas macroprudenciais de fundos próprios na preservação e reforço da resiliência do setor bancário numa conjuntura macrofinanceira difícil[16]. Desde que sejam evitados efeitos pró‑cíclicos, o aumento da restritividade das reservas de fundos próprios, mesmo numa fase avançada do ciclo económico ou financeiro, protege contra vulnerabilidades acumuladas e ajuda à disponibilização de fundos próprios quando necessário, uma vez que as reservas podem ser liberadas caso ocorra uma evolução adversa. Por seu turno, tal impulsiona a capacidade dos bancos de absorver perdas e continuar simultaneamente a prestar serviços financeiros essenciais à economia. A declaração salientou a margem de manobra existente em termos de fundos próprios para além dos requisitos regulamentares e sublinhou a necessidade de evitar efeitos pró‑cíclicos resultantes de uma restritividade excessiva das condições de crédito, em particular através da adaptação adequada das medidas macroprudenciais às condições específicas de cada país. Referiu também a importância de abordar os riscos para a estabilidade financeira no setor financeiro não bancário de uma perspetiva de risco sistémico. Em dezembro de 2022, o Conselho do BCE anunciou que tinha revisto a metodologia de limites mínimos para as reservas de fundos próprios aplicáveis a outras instituições de importância sistémica. A metodologia revista tornará os bancos de importância sistémica mais resilientes e entrará em vigor em 1 de janeiro de 2024.

O BCE continuou a comunicar a sua análise e opiniões sobre temas de política macroprudencial em 2022. Considerou que, no médio prazo, a resiliência do sistema financeiro seria reforçada pela criação de uma maior margem macroprudencial através do aumento do montante de reservas liberáveis e do reforço da eficácia das reservas contracíclicas de fundos próprios existentes[17]. Além disso, os capítulos sobre política macroprudencial das edições de maio e de novembro de 2022 do Relatório de Estabilidade Financeira do BCE explicaram a importância de reforçar a resiliência do sistema bancário de forma atempada, ajustando simultaneamente o momento e o ritmo das medidas prudenciais à incerteza acrescida e às condições específicas de cada país[18]. Por último, mas não menos importante, dado que a acumulação de vulnerabilidades observada nos mercados imobiliários nos últimos anos foi alvo, acertadamente, de uma atenção renovada, o BCE dedicou a edição de outubro de 2022 do Boletim Macroprudencial à análise da interação entre os mercados imobiliários, a estabilidade financeira e a política macroprudencial.

Cooperação com o Comité Europeu do Risco Sistémico

O CERS publicou um número significativo de recomendações e alertas em resposta ao risco sistémico

Em 2022, o BCE continuou a prestar apoio analítico, estatístico, logístico e administrativo ao Secretariado do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS)[19]. Em particular, o BCE copresidiu uma equipa de redação do CERS para responder ao pedido de parecer da Comissão Europeia sobre a revisão do quadro macroprudencial da UE[20]. O BCE também prestou apoio ao trabalho desenvolvido pelo CERS sobre: i) uma estratégia macroprudencial relativa aos riscos para a estabilidade financeira decorrentes de ciberincidentes[21]; ii) reformas de política destinadas a aumentar a resiliência dos fundos do mercado monetário[22]; iii) a monitorização de vulnerabilidades relacionadas com a intermediação financeira não bancária[23]; iv) a medição e modelização dos riscos climáticos para a estabilidade financeira da UE[24]; e v) a análise das vulnerabilidades do setor imobiliário comercial do Espaço Económico Europeu[25].

Em 2022, o CERS emitiu vários alertas e recomendações. Em janeiro e fevereiro, publicou recomendações sobre o aumento da resiliência dos fundos do mercado monetário e o estabelecimento de um quadro sistémico de coordenação relativo a ciberincidentes[26], bem como cinco alertas e duas recomendações sobre vulnerabilidades no setor imobiliário residencial[27]. Num contexto de riscos crescentes para a estabilidade financeira, o CERS publicou o seu primeiro alerta geral em setembro de 2022[28]. Além disso, o CERS emitiu uma recomendação relativa às vulnerabilidades no setor imobiliário comercial em dezembro de 2022[29].

Para informação mais pormenorizada sobre o CERS, consultar o sítio e os relatórios anuais desta autoridade.

3.3 Atividades microprudenciais para assegurar a solidez de cada banco

O setor bancário da área do euro revelou‑se resiliente aos efeitos macroeconómicos e financeiros da guerra da Rússia contra a Ucrânia

Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, o BCE realizou uma análise de vulnerabilidade que confirmou a resiliência geral do setor bancário da área do euro às consequências macroeconómicas e financeiras da guerra. No entanto, em resultado das sanções aplicadas, alguns bancos saíram do mercado. Em fevereiro, o BCE determinou que o Sberbank Europe AG e as suas duas filiais na união bancária, o Sberbank d.d. na Croácia e o Sberbank banka d.d. na Eslovénia, estavam em situação ou risco de insolvência devido a uma deterioração da sua situação de liquidez. Além disso, o BCE tomou decisões relacionadas com a eliminação gradual da atividade bancária do RCB Bank.

Em 2022, o BCE ajustou a incidência das suas análises específicas e inspeções no local aos riscos mais diretamente afetados pela guerra: posições em risco relacionadas com os produtos energéticos, risco de taxa de juro da carteira bancária, posições em risco sobre ativos imobiliários e risco de crédito da contraparte. Estas bolsas de risco, bem como a incerteza acentuada quanto às perspetivas macroeconómicas e preocupações persistentes acerca da governação e dos controlos internos do risco dos bancos, significaram que as notações globais dos bancos não melhoraram no processo de análise e avaliação para fins de supervisão (Supervisory Review and Evaluation Process – SREP) de 2022, apesar da melhoria da qualidade dos ativos e das métricas de rendibilidade. A fim de ter em conta o possível impacto da guerra e a normalização da política monetária, os riscos geopolíticos e de financiamento foram incluídos nas prioridades prudenciais para o período de 2023 a 2025.

O BCE realizou progressos decisivos na sua agenda em matéria de riscos climáticos com o primeiro teste de esforço específico e uma análise temática

O BCE também tomou medidas decisivas na sua agenda em matéria de riscos climáticos. O primeiro teste de esforço prudencial centrado nos riscos climáticos avaliou o grau de preparação dos bancos para prever e gerir os choques financeiros e económicos decorrentes destes riscos. Os resultados, publicados em julho, revelaram que os bancos ainda não tinham incorporado suficientemente os riscos climáticos nos respetivos quadros de teste de esforço e modelos internos, não obstante alguns progressos realizados desde 2020. Além disso, em novembro, o BCE publicou os resultados da análise temática de 2022 centrada nos riscos climáticos e ambientais, a qual concluiu que a maioria dos bancos ainda necessitava de melhorar as respetivas práticas em matéria de risco a fim de cumprir as expetativas prudenciais definidas no Guia sobre riscos climáticos e ambientais do BCE. Em novembro e dezembro, foram publicados dois relatórios que compilam as boas práticas observadas na análise e no teste de esforço.

No âmbito dos esforços contínuos no sentido de aumentar a transparência e a responsabilização, o BCE lançou uma consulta pública sobre o seu projeto de guia sobre procedimentos relativos a participações qualificadas em 28 de setembro de 2022. O BCE também clarificou as suas políticas de exercício de faculdades e opções na supervisão dos bancos, na sequência de uma consulta pública que terminou em 30 de agosto de 2021. Em junho de 2022, o BCE emitiu uma declaração sobre a metodologia que seria utilizada para o exercício do poder discricionário em matéria de supervisão das exposições transfronteiras no âmbito da união bancária no quadro de avaliação das instituições de importância sistémica mundial.

Três bancos foram objeto de sanções pelo BCE em 2022[30].

Por último, o BCE publicou dois memorandos de entendimento em matéria de supervisão (com o Conselho Único de Resolução e a Commissione Nazionale per le Società e la Borsa, a autoridade reguladora do mercado de valores mobiliários de Itália, respetivamente), que foram revistos em 2022. A Supervisão Bancária do BCE também procedeu à análise de mapeamento das mesas de negociação dos bancos internacionais que decidiram transferir a atividade de Londres, na sequência do Brexit, para filiais nos países participantes na supervisão bancária europeia, a fim de assegurar que todas as entidades supervisionadas pelo MUS têm quadros de gestão do risco sólidos do ponto de vista prudencial, assim como uma presença local que permita uma supervisão eficaz e seja consentânea com os riscos que assumem.

Para informações mais pormenorizadas sobre a Supervisão Bancária do BCE, consultar o respetivo sítio e o Relatório Anual do BCE sobre as atividades de supervisão de 2022.

3.4 Contributo do BCE para iniciativas de política no setor financeiro europeu

Verificaram‑se progressos substanciais na melhoria do quadro regulamentar

Em 2022, verificaram‑se progressos substanciais no quadro regulamentar aplicável ao setor financeiro. Simultaneamente, é necessário prosseguir os trabalhos de implementação das reformas finais de Basileia III, de conclusão da união bancária, de melhoria do quadro macroprudencial e de combate aos riscos climáticos, bem como de regulamentação dos criptoativos, dos mercados de capitais e das instituições financeiras não bancárias.

Melhoria do quadro regulamentar aplicável aos bancos

Os trabalhos de regulamentação bancária na UE centraram‑se no Acordo de Basileia III, na gestão de crises, no quadro macroprudencial e nos riscos climáticos

Em 27 de outubro de 2021, a Comissão Europeia publicou as suas propostas de implementação das reformas de Basileia III na UE. Desde então, o BCE tem apoiado ativamente o processo legislativo. Em 2022, publicou pareceres sobre as propostas de revisão do regulamento em matéria de requisitos de fundos próprios (Capital Requirements Regulation – CRR) e da diretiva em matéria de requisitos de fundos próprios (Capital Requirements Directive – CRD)[31]. Também comunicou as suas opiniões sobre o pacote bancário em várias ocasiões[32].

Os debates sobre a conclusão da união bancária prosseguiram em 2022, com o envolvimento ativo do BCE. Tal como acordado pelo Eurogrupo em junho, os trabalhos centrar‑se‑ão agora no reforço do quadro de gestão de crises aplicável aos bancos, sendo que, em julho, o BCE publicou um contributo para a consulta específica da Comissão Europeia sobre a avaliação das regras em matéria de auxílios estatais aplicáveis aos bancos em dificuldade.

Em 2022, outro importante fluxo de trabalho para o BCE foi a revisão do quadro macroprudencial da UE, com o objetivo de assegurar que as autoridades relevantes possam fazer face aos riscos sistémicos de forma atempada, coerente e abrangente nas várias jurisdições. Na sua resposta ao pedido de parecer da Comissão Europeia, o BCE identificou uma série de domínios prioritários nos quais eram necessárias medidas legislativas para aumentar a eficiência e eficácia do conjunto de instrumentos macroprudenciais da UE.

No âmbito da sua agenda climática global, o BCE acompanhou os riscos financeiros relacionados com o clima numa base contínua e contribuiu para o debate de políticas a nível europeu e internacional. Em conjunto com o CERS, publicou um relatório demonstrando de que forma os choques climáticos podem afetar o sistema financeiro. O relatório avaliou a margem de manobra para a consecução de políticas macroprudenciais no âmbito de uma resposta de política mais ampla, a fim de complementar os esforços microprudenciais para fazer face ao impacto financeiro das alterações climáticas. Do lado microprudencial, o BCE procedeu à avaliação das divulgações dos bancos e a uma análise temática dos riscos climáticos e ambientais, bem como a um teste de esforço centrado no risco climático (ver a secção 3.3). Além disso, participou no trabalho do grupo de trabalho do Comité de Basileia de Supervisão Bancária (CBSB) sobre riscos financeiros relacionados com o clima, o qual publicou perguntas frequentes que clarificam a forma como os riscos financeiros relacionados com o clima podem ser abordados através das normas regulamentares em vigor, bem como princípios para a gestão e supervisão eficazes dos riscos financeiros relacionados com o clima. A nível da UE, o BCE contribuiu para a análise da Autoridade Bancária Europeia (European Banking Authority – EBA) do papel dos riscos ambientais no quadro prudencial.

Reforço da regulamentação dos mercados de capitais e das instituições financeiras não bancárias e elaboração de um quadro regulamentar aplicável aos criptoativos

No setor financeiro não bancário, os esforços regulamentares centraram‑se na união dos mercados de capitais, nas vulnerabilidades estruturais e nos criptoativos

Em 2022, o BCE continuou a sublinhar a importância de se prosseguir com a união dos mercados de capitais[33]. Publicou vários pareceres sobre propostas legislativas, incluindo relativamente: i) ao reforço da transparência do mercado, ii) ao estabelecimento e funcionamento do ponto de acesso único europeu (European Single Access Point – ESAP), iii) a centrais de valores mobiliários (central securities depositories – CSD) e iv) à Diretiva relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos. O BCE reiterou igualmente a necessidade de implementar o plano de ação da Comissão Europeia para a união dos mercados de capitais de 2020 na íntegra e sem demora, acolhendo favoravelmente as propostas legislativas publicadas em dezembro de 2022. Estas propostas visam resolver os obstáculos estruturais à integração dos mercados de capitais da UE, tais como as diferenças nacionais quanto às normas em matéria de insolvência. Além disso, as propostas tornarão a cotação de valores mobiliários e a mobilização de capitais nas bolsas públicas menos onerosas para as empresas e reforçarão o sistema de compensação centralizada da UE. O BCE apelou a novos progressos em matéria de proteção dos investidores e harmonização da tributação, reforço da supervisão transfronteiras dos mercados de capitais e harmonização dos quadros de capitais de risco no conjunto da área do euro a fim de apoiar os mercados acionistas e de capitais de risco e facilitar o financiamento da inovação.

O BCE continuou a salientar a importância de dar resposta às vulnerabilidades estruturais no setor financeiro não bancário e de melhorar o quadro de políticas relevante de uma perspetiva macroprudencial. As propostas de política para fazer face a desajustamentos de liquidez no setor dos fundos do mercado monetário foram analisadas no Boletim Macroprudencial do BCE, tendo o BCE contribuído igualmente para a fundamentação económica subjacente à Recomendação do CERS relativa à reforma dos fundos do mercado monetário, publicada em janeiro de 2022[34]. O BCE continuou a sublinhar que a implementação destas reformas não deve ser adiada. No que se refere aos fundos de investimento de tipo aberto, o BCE contribuiu para a avaliação realizada pelo Conselho de Estabilidade Financeira da eficácia das respetivas recomendações sobre os desajustamentos de liquidez estruturais nesses fundos publicadas em 2017[35]. O Conselho de Estabilidade Financeira irá agora rever as recomendações no sentido de dar uma resposta mais adequada aos referidos desajustamentos[36].

O BCE também contribuiu ativamente para o debate sobre um quadro regulamentar aplicável aos criptoativos em fóruns internacionais como o Conselho de Estabilidade Financeira, o CBSB e o Comité de Pagamentos e Infraestruturas de Mercado (Committee on Payments and Market Infrastructures – CPMI)[37]. Foram realizados progressos importantes para assegurar que todas as atividades relacionadas com criptoativos que representem um risco para a estabilidade financeira fiquem sujeitas a regulamentação, supervisão e superintendência abrangentes e coordenadas a nível mundial e que exista um tratamento prudencial das posições em risco dos bancos sobre criptoativos acordado a nível mundial.

Caixa 2
Regras sólidas, bancos sólidos – o pacote bancário

Em 2022, o BCE publicou os seus pareceres sobre as propostas da Comissão Europeia de alteração da sexta diretiva em matéria de requisitos de fundos próprios (Capital Requirements Directive – CRD VI) e do terceiro regulamento em matéria de requisitos de fundos próprios (Capital Requirements Regulation – CRR III), que constituem dois elementos principais do mais recente “pacote bancário” da UE[38]. Estas propostas visam implementar as regras de Basileia III pendentes na UE, bem como continuar a reforçar o quadro prudencial da UE, por exemplo, através do aumento da harmonização e da colmatação de lacunas regulamentares e de uma maior ênfase nos riscos ambientais, sociais e de governação (ESG, do inglês “environmental, social and governance”). O BCE apoia firmemente estes objetivos. Regras mais sólidas tornam os bancos mais sólidos, beneficiando, por conseguinte, a resiliência do sistema bancário da UE.

Implementação das regras de Basileia III pendentes

A implementação dos elementos pendentes das normas de Basileia III constitui o último passo na reforma da regulamentação financeira mundial em resposta à crise financeira mundial. Estas regras foram desenvolvidas e acordadas a nível internacional pelos bancos centrais e pelas autoridades de supervisão bancária em resposta às lições retiradas da crise. Incorporam igualmente propostas e ajustamentos apresentados pelos representantes europeus no Comité de Basileia de Supervisão Bancária (CBSB).

O BCE tem defendido consistentemente uma implementação plena, atempada e fiel das normas de Basileia III na UE, o que será decisivo para a manutenção da segurança e solidez do sistema bancário da UE. A proposta legislativa apresentada pela Comissão Europeia em outubro de 2021 inclui vários desvios em relação às regras de Basileia III acordadas, sobre os quais o BCE manifestou preocupações nos seus pareceres. Em particular, o BCE salientou que a proposta relativa ao CRR inclui disposições transitórias para exposições a bens imóveis e empresas sem notação que se desviam das normas de Basileia III. Estes desvios não se justificam de uma perspetiva prudencial e de estabilidade financeira e podem deixar bolsas de riscos por resolver. Na opinião do BCE, todos os desvios devem ser eliminados ou, a ser mantidos, devem ser limitados e estritamente temporários. No entanto, durante o processo legislativo em curso, os colegisladores apresentaram propostas e convites no sentido de um desvio ainda maior em relação às normas de Basileia III do que as propostas apresentadas pela Comissão Europeia. Estes desvios adicionais enfraqueceriam ainda mais a rede de segurança que o Acordo de Basileia III proporciona e alargariam o fosso entre a regulamentação da UE e estas importantes normas mínimas internacionais. Além disso, tornariam o sistema regulamentar mais complexo, aumentariam os custos de conformidade para os bancos e complicariam o trabalho das autoridades de supervisão. Em suma, a redução das normas de regulamentação para um nível abaixo do nível mínimo internacional colocaria em risco a segurança e a competitividade do setor bancário da UE e aumentaria os seus custos de financiamento.

Adicionalmente, demasiados ajustamentos significativos em relação às normas de Basileia III poderiam pôr em causa a conformidade da UE com o quadro de Basileia III. O incumprimento do Acordo de Basileia III poderia enfraquecer a reputação da UE, pondo potencialmente em risco a sua posição em futuras negociações internacionais. Além disso, se a coerência mundial não for preservada na implementação das normas, poder‑se‑á dar início a um nivelamento por baixo entre as jurisdições em matéria de regulamentação financeira. Tal seria lamentável, uma vez que a pandemia demonstrou que bancos sólidos são uma fonte de resiliência[39]. Esta resiliência acrescida do setor bancário advém, em grande medida, das normas de Basileia já implementadas e deve ser preservada através de uma aplicação fiel das restantes regras.

Fortalecimento da regulamentação bancária: maior harmonização e colmatação de lacunas

Certas regras e poderes prudenciais ainda não estão harmonizados a nível da UE. O pacote bancário sugere uma maior harmonização para que as regras e os poderes possam ser aplicados aos bancos de forma coerente, independentemente do país em que estejam sedeados. Entre outras alterações, o pacote bancário propõe as medidas que se apresentam abaixo:

  • as práticas de supervisão no que respeita às sucursais de países terceiros – ou seja, as sucursais na UE de bancos com sede em países não pertencentes à UE – serão harmonizadas. Atualmente, os Estados‑Membros da UE aplicam diferentes práticas de supervisão, o que cria condições de concorrência desiguais e impede o BCE de ter uma visão clara das atividades dos grupos de países terceiros. As alterações sugeridas assegurarão condições de igualdade para os grupos de países terceiros na UE e as instituições de crédito da UE e tornarão a supervisão mais eficaz.
  • o processo prudencial de avaliação da adequação e idoneidade[40] será harmonizado. Embora o BCE já desempenhe um papel de guardião nesta matéria, o seu trabalho tem sido dificultado pela multiplicidade de regras nacionais. Por conseguinte, o BCE acolhe com muito agrado a harmonização neste domínio, embora concorde com a Comissão Europeia quanto à necessidade de assegurar a proporcionalidade, centrando‑se, por exemplo, nos membros dos órgãos de administração dos bancos europeus de maior dimensão.
  • as diferenças entre os países europeus no que diz respeito a outros poderes prudenciais, como os poderes sancionatórios, serão eliminadas. Por exemplo, o pacote bancário confere ao BCE o poder de impor sanções pecuniárias temporárias aos bancos de todos os países participantes na supervisão bancária europeia.

A harmonização das regras e poderes de supervisão tornará a supervisão bancária do BCE mais eficaz e criará um setor bancário mais integrado e resiliente.

Ênfase nos riscos ambientais, sociais e de governação

Os riscos ambientais, sociais e de governação são importantes para a estabilidade de cada banco e do sistema financeiro no seu conjunto, especialmente tendo em conta as alterações climáticas. Por conseguinte, o BCE congratula‑se com a inclusão, no pacote bancário proposto, da obrigação de gestão por parte dos bancos de todos os riscos materialmente relevantes, incluindo os riscos ambientais, sociais e de governação.

O pacote bancário inclui um novo requisito legal para que os bancos elaborem planos específicos para monitorizar e fazer face aos riscos ambientais, sociais e de governação que surjam no curto, médio e longo prazo. Este requisito assegurará que os bancos avaliam exaustivamente as mudanças estruturais suscetíveis de ocorrer nos setores aos quais estão expostos, em função dos percursos de transição definidos pelo quadro jurídico da UE[41].

Gráfico A

Cronologia do processo legislativo do pacote bancário

Fonte: BCE.
Notas: Trílogo: processo de negociação entre a Comissão Europeia, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu. ECOFIN: Conselho dos Assuntos Económicos e Financeiros. ECON: Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu.

4 Funcionamento regular das infraestruturas de mercado e dos pagamentos

O Eurosistema desempenha um papel crucial no desenvolvimento, operação e superintendência das infraestruturas e acordos de mercado que facilitam a circulação segura e eficiente de pagamentos, valores mobiliários e ativos de garantia em toda a área do euro. Também atua como um catalisador para a integração e inovação no mercado de pagamentos e de valores mobiliários. Em 2022, o Eurosistema reviu e renovou as infraestruturas, políticas e estratégias de mercado existentes e explorou novas tecnologias e um possível euro digital.

4.1 Serviços TARGET e inovação e integração nas infraestruturas de mercado e nos pagamentos

Os Serviços TARGET do Eurosistema consistem em três serviços de liquidação: o TARGET2, um sistema de liquidação por bruto em tempo real (SLBTR) para as operações de pagamento em euros de apoio às operações de política monetária do Eurosistema, transferências interbancárias e pagamentos comerciais; o TARGET2‑Securities (T2S), uma plataforma única multidivisas para a liquidação de valores mobiliários na Europa; e o TARGET Instant Payment Settlement (TIPS), que liquida pagamentos imediatos em moeda do banco central.

Pela primeira vez, o TARGET2 processou mais de 100 milhões de pagamentos por ano

Cerca de 1000 bancos utilizam o sistema TARGET2 para iniciar transações em euros, em seu nome ou em nome dos seus clientes. Considerando sucursais e filiais, é possível aceder a mais de 41 000 bancos em todo o mundo através do TARGET2. Em 2022, o TARGET2 processou, em média, 399 653 pagamentos por dia, com um valor diário médio de 2,219 biliões de euros. Este valor representa um aumento de 7% no volume diário de pagamentos em comparação com os valores de 2021. Pela primeira vez, o TARGET2 processou mais de 100 milhões de pagamentos por ano civil.

Em 2022, o TARGET2 alcançou uma disponibilidade técnica de 100%. Além disso, o Eurosistema implementou, em grande medida, o plano de ação destinado a dar resposta aos incidentes nos Serviços TARGET ocorridos em 2020[42].

Para verificar o elevado nível de cibersegurança do TARGET2, realizou‑se um teste TIBER‑UE[43] em 2022. Os testes TIBER‑UE simulam as táticas, técnicas e procedimentos dos autores de ciberataques reais, com base em informações específicas sobre ameaças. Estes testes contribuem para uma melhor compreensão da capacidade do TARGET2 para resistir a ciberataques.

Após a aprovação formal da adesão da Croácia à área do euro em 1 de janeiro de 2023, procedeu‑se ao longo de 2022 a testes preparatórios e às atividades de coordenação necessárias com o Hrvatska narodna banka e a comunidade financeira croata no sentido da migração do SLBTR nacional para o TARGET2.

O lançamento do T2 foi reagendado

Em linha com a evolução tecnológica, os novos requisitos regulamentares e a evolução das necessidades dos utilizadores, o Eurosistema tem vindo a trabalhar na implementação do T2, um novo SLBTR e uma função de gestão central de liquidez que otimiza a gestão de liquidez em todos os Serviços TARGET. O lançamento do T2, que estava previsto para novembro de 2022, foi reagendado para março de 2023.

A plataforma T2S liga 19 CSD de 20 mercados europeus, permitindo a liquidação de valores mobiliários em euros e em coroas dinamarquesas. Em 2022, processou, em média, 707 879 transações por dia, com um valor diário médio de 716,67 mil milhões de euros. Além disso, a CSD croata (SKDD), a CSD búlgara (CDAD) e o Bulgarian National Bank Government Securities Settlement System assinaram o Acordo‑quadro do T2S em 2022 e estão a avaliar datas adequadas para a migração. Os testes para a integração de novas CSD no T2S prosseguirão em 2023.

Em 2022, o T2S beneficiou de duas melhorias importantes. Primeiro, entrou em funcionamento, após uma fase de simulação, a funcionalidade sancionatória para apoiar as CSD no cumprimento das suas obrigações ao abrigo do regime de disciplina de liquidação previsto no Regulamento (UE) n.º 909/2014 (o regulamento relativo às centrais de valores mobiliários). Segundo, a concretização do lançamento da versão 6.0 da plataforma T2S permitiu a adoção de componentes que serão partilhadas entre os Serviços TARGET (as chamadas componentes comuns) no T2S.

A fim de apoiar a introdução dos pagamentos imediatos na área do euro, o Eurosistema finalizou a implementação de medidas destinadas a assegurar a acessibilidade pan‑europeia através do TIPS. À medida que mais bancos e comunidades nacionais aderiram ao TIPS, os volumes de transações aumentaram 17,1 vezes em comparação com 2021, atingindo um valor máximo de 18,7 milhões de transações em dezembro de 2022 (em comparação com 1,6 milhões em dezembro de 2021). Dada a proposta legislativa da Comissão Europeia de obrigar os prestadores de serviços de pagamento da UE que já oferecem transferências a crédito em euros a disponibilizarem também a respetiva versão imediata num determinado período, espera‑se que a introdução de pagamentos imediatos em euros continue a acelerar.

Bancos centrais de países não pertencentes à área do euro têm manifestado interesse na conceção multidivisas do TIPS. Em maio de 2022, o Sveriges riksbank concluiu com êxito a primeira fase de migração para o TIPS, abrindo caminho à liquidação de pagamentos imediatos em coroas suecas no TIPS. O Danmarks Nationalbank oferecerá a liquidação em coroas dinamarquesas nos Serviços TARGET, incluindo no TIPS, no segundo trimestre de 2025. O Norges Bank também manifestou interesse na possível adesão ao TIPS com a respetiva moeda nacional. Está a ser explorada uma possível funcionalidade de divisas cruzadas que permitiria pagamentos imediatos entre moedas liquidadas na plataforma.

Além dos três serviços de liquidação, o Eurosistema está a desenvolver um novo Serviço TARGET, o sistema de gestão de ativos de garantia do Eurosistema (Eurosystem Collateral Management System – ECMS), um sistema unificado para a gestão dos ativos utilizados como garantia nas operações de crédito do Eurosistema para todas as jurisdições da área do euro. O lançamento do ECMS foi recalendarizado de novembro de 2023 para abril de 2024, a fim de atenuar o impacto do reagendamento do lançamento do T2.

No que respeita ao domínio dos pagamentos, o Eurosistema continua a prosseguir os objetivos estabelecidos na sua estratégia para os pagamentos de retalho. Tal inclui o apoio a uma solução pan‑europeia para os pagamentos de retalho no ponto de interação (ou seja, em pontos de venda físicos e no âmbito do comércio eletrónico e móvel, gerido por entidades do setor privado europeu), a aplicação total de pagamentos imediatos e a melhoria dos pagamentos transfronteiras. Abrange também trabalhos destinados a garantir que todos os europeus tenham acesso a pagamentos seguros, eficientes e convenientes, atendendo à crescente digitalização da economia. Este trabalho incluiu a publicação do relatório relativo ao balanço da acessibilidade a pagamentos de retalho na UE. As principais conclusões indicam que, embora a crescente digitalização coloque desafios particulares aos indivíduos e grupos vulneráveis, proporciona igualmente oportunidades para melhorar a acessibilidade através de soluções inovadoras específicas.

Progressos alcançados em matéria de banca aberta promovidos pelo ERPB, um organismo estratégico de alto nível presidido pelo BCE

Paralelamente à promoção da estratégia do Eurosistema para os pagamentos de retalho, o BCE apoia o desenvolvimento de serviços de pagamento inovadores, incluindo a nível do Conselho de Pagamentos de Retalho em Euros (Euro Retail Payments BoardERPB). Em particular, o ERPB tem vindo a promover os avanços no setor da banca aberta, que permite a fornecedores terceiros acederem a dados relativos a contas de pagamento com o consentimento dos clientes dos bancos e iniciarem pagamentos mediante interfaces abertas de programação de aplicações. Tal, por sua vez, permite a fornecedores terceiros oferecerem soluções de pagamento convenientes e atrativas. A convite do ERPB, o Conselho Europeu de Pagamentos começou a trabalhar num futuro sistema SEPA (do inglês “Single Euro Payments Area” – Área Única de Pagamentos em Euros) de acesso a contas de pagamento (SEPA Payment Account Access – SPAA), que define regras, práticas e normas que permitirão o intercâmbio de dados relacionados com as contas de pagamento e facilitarão o início de operações de pagamento de serviços de valor acrescentado prestados pelos bancos a fornecedores terceiros. Em novembro de 2022, o Conselho Europeu de Pagamentos publicou uma primeira versão do conjunto de regras relativas ao sistema SPAA.

O Eurosistema explorou formas de utilizar a DLT ou outras novas tecnologias para disponibilizar moeda do banco central para a liquidação de transações financeiras por grosso

A inovação digital está a mudar não apenas os serviços de pagamentos de retalho, como também as transações financeiras por grosso. Há alguns anos que os intervenientes no mercado financeiro têm vindo a testar novas tecnologias, como, por exemplo, a tecnologia de registo distribuído (distributed ledger technology – DLT). A fim de melhor avaliar estas tecnologias, em 23 de março de 2023, a UE lançou um regime‑piloto para as infraestruturas de mercado baseadas na tecnologia de registo distribuído, o qual terá um período de três anos, renovável uma vez. Este regime permite aos prestadores de serviços de investimento, às empresas de mercado e às CSD operarem um sistema de negociação multilateral, um sistema de liquidação ou um sistema de negociação e liquidação baseados na tecnologia de registo distribuído. No cenário hipotético de uma adoção generalizada pelos mercados financeiros da tecnologia de registo distribuído ou de outras novas tecnologias para as transações por grosso, as necessidades dos utilizadores dos serviços de liquidação por grosso do Eurosistema, nomeadamente o TARGET2 e o T2S, poderiam também mudar. Com o intuito de reduzir os riscos para o sistema financeiro ao garantir que a moeda do banco central continua a desempenhar o seu papel de ativo de liquidação mais seguro para as transações financeiras por grosso, o Eurosistema está a explorar formas de utilizar a nova tecnologia na disponibilização de moeda do banco central para a liquidação de transações financeiras por grosso. É fundamental uma análise cuidadosa por parte do Eurosistema das possíveis implicações para a governação, a eficiência da liquidação e a gestão de liquidez, sem que tal pressuponha uma orientação específica em termos de políticas.

Em linha com o seu objetivo de uma maior integração dos mercados financeiros europeus, o grupo consultivo do Eurosistema sobre infraestruturas de mercado para valores mobiliários e ativos de garantia (Advisory Group on Market Infrastructures for Securities and Collateral – AMI‑SeCo) continuou a prestar informações sobre os progressos alcançados pelos mercados nacionais no sentido do cumprimento das normas acordadas ao abrigo do conjunto único de regras de gestão de ativos de garantia para a Europa (Single Collateral Management Rulebook for Europe – SCoRE). No relatório SCoREBoard para o S2 de 2022, o AMI‑SeCo observou que, apesar de alguns atrasos nos progressos alcançados pelos intervenientes, ainda era viável assegurar o cumprimento pleno dentro do prazo. Tendo em conta o reagendamento da entrada em funcionamento do ECMS do Eurosistema para abril de 2024, o grupo acordou em fazer avançar o prazo para o cumprimento das normas SCoRE de modo a alinhar a calendarização.

Além disso, o AMI‑SeCo continuou a acompanhar e a debater os progressos e a evolução da agenda de harmonização do T2S e o cumprimento no que se refere aos eventos societários, incluindo as normas do setor relativas à identificação dos acionistas. Acresce que o grupo apresentou respostas às consultas públicas da Comissão Europeia e da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados sobre os procedimentos de retenção de imposto na fonte e sobre a aplicação da Diretiva (UE) n.º 2017/828 no que se refere aos incentivos ao envolvimento dos acionistas a longo prazo.

4.2 Fase de investigação do projeto de euro digital

A fase de investigação do projeto de euro digital, que foi lançada em outubro de 2021, está no bom caminho e deverá terminar no segundo semestre de 2023. Nessa altura, apresentar‑se‑á ao Conselho do BCE os resultados da fase de investigação e pareceres sobre a passagem (ou não) para uma fase de preparação, bem como um plano de projeto para esta fase subsequente. Qualquer decisão de passagem para a fase de preparação não obvia, por si só, a uma decisão de emissão.

O Eurosistema chegou a acordo sobre os principais casos de uso e as decisões fundamentais referentes à conceção na fase de investigação do projeto de euro digital

O Eurosistema prestou regularmente informações sobre os progressos da fase de investigação do euro digital, tendo publicado dois relatórios intercalares em setembro e dezembro. Em 2022, o Eurosistema chegou a acordo sobre os principais casos de uso e as muitas decisões fundamentais referentes à conceção de um euro digital, tendo em conta os aspetos da privacidade e dos requisitos regulamentares, bem como a necessidade de proporcionar possibilidades online, a par de opções offline, para pagamentos com um euro digital. Estas decisões refletem igualmente o papel importante dos intermediários enquanto distribuidores de um euro digital e de um sistema como modelo de distribuição preferido. Decidiu‑se iniciar os preparativos para um código de regras para o euro digital, ao que se seguiu a contratação de um gestor de códigos de regras e o lançamento de um convite à manifestação de interesse de participação na redação por parte de representantes do mercado. Os trabalhos no código tiveram início no primeiro trimestre de 2023.

Como parte deste projeto, as atividades de prototipagem do euro digital conexas com BCN do Eurosistema e empresas privadas progrediram de acordo com o planeado. As conclusões serão apresentadas no primeiro semestre de 2023 e aplicadas, se for o caso, numa futura fase de preparação do projeto.

Para assegurar o desenvolvimento de um euro digital que seja atrativo para todos os intervenientes, o projeto assenta em interações frequentes com participantes no mercado e futuros utilizadores em diferentes fóruns e formatos. Em 2022, tal incluiu as sessões técnicas específicas do ERPB, sessões bilaterais de comentários com os principais grupos de intervenientes, reuniões do grupo consultivo sobre o mercado do euro digital (Digital Euro Market Advisory Group), exercícios em grupos de reflexão e seminários destinados à sociedade civil. Paralelamente, o BCE colaborou estreitamente com as instituições europeias que tomarão uma decisão sobre o quadro jurídico necessário a uma possível emissão futura de um euro digital.

4.3 Superintendência e papel do banco central emissor

A fim de assegurar o funcionamento seguro e eficiente das infraestruturas de mercado financeiro e dos pagamentos na área do euro, o Eurosistema define objetivos de superintendência em regulamentos, normas, orientações e recomendações, acompanha a sua implementação e promove mudanças, quando necessário. Na qualidade de banco central emissor para o euro, o Eurosistema é parte integrante de acordos cooperativos de superintendência e supervisão, bem como de acordos de gestão de crises para as infraestruturas de mercado financeiro com atividades significativas denominadas em euros.

No que respeita aos sistemas de pagamentos sistemicamente importantes, a função de superintendência do Eurosistema supervisiona diretamente o TARGET2, o EURO1, o STEP2‑T e o Mastercard Clearing Management System. Em 2022, deu‑se particular atenção ao projeto de consolidação do T2‑T2S do Eurosistema (ver a secção 4.1). O Eurosistema realizou uma pré‑avaliação da plataforma consolidada centrada nas principais alterações ao TARGET2 e acompanhou o projeto para identificar potenciais riscos para o êxito do lançamento e futuro funcionamento regular da plataforma. Além disso, o Eurosistema realizou uma avaliação abrangente do Mastercard Clearing Management System à luz do Regulamento BCE/2014/28 relativo aos requisitos de superintendência de sistemas de pagamentos importantes e das expetativas de superintendência em matéria de ciber‑resiliência. A evolução e a resiliência operacional dos sistemas de pagamentos imediatos pan‑europeus, tais como o TIPS e o RT1, foram também acompanhadas de perto.

Início da implementação do quadro PISA

No que se refere a instrumentos de pagamento, o trabalho centrou‑se na implementação do quadro PISA (do inglês “payment instruments, schemes and arrangements”), o quadro do Eurosistema para a superintendência de instrumentos, sistemas e acordos de pagamento eletrónico. Com base nos resultados de um exercício de classificação harmonizada, as autoridades de governação dos sistemas de pagamentos identificados foram notificadas quanto à sua supervisão, acompanhamento ou isenção de atividades de superintendência ao abrigo do quadro PISA. No que respeita aos acordos de pagamento, este processo está prestes a ser finalizado. Além disso, foram lançadas avaliações completas de um primeiro grupo de sistemas de pagamentos.

Como banco central emissor para o euro, o Eurosistema continuou a participar em colégios de autoridades de supervisão das contrapartes centrais da UE ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 648/2012 relativo à Infraestrutura do Mercado Europeu (European Market Infrastructure Regulation – EMIR). Nessa qualidade, avaliou várias propostas de alargamento dos serviços ou alterações importantes dos procedimentos de gestão de risco e reviu planos de recuperação elaborados em conformidade com o Regulamento (UE) 2021/23 relativo ao regime da recuperação e resolução das contrapartes centrais. No contexto dos trabalhos preparatórios da revisão do EMIR, o Eurosistema contribuiu para a consulta levada a cabo pela Comissão Europeia em março de 2022.

O Eurosistema também acompanhou o impacto sobre as contrapartes centrais da maior volatilidade dos mercados. O BCE desenvolveu trabalho analítico sobre a volatilidade no mercado de produtos energéticos para explorar o impacto dos valores de cobertura adicionais elevados sobre os participantes na compensação. As conclusões apoiaram o contributo do BCE para o trabalho no domínio de políticas na esfera da UE e internacional no sentido de reduzir o risco e o potencial impacto de valores de cobertura adicionais elevados repentinos.

No que respeita à liquidação de valores mobiliários, o Eurosistema contribuiu, na qualidade de banco central emissor, para a avaliação regular das CSD ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 909/2014 relativo à melhoria da liquidação de valores mobiliários na União Europeia e às CSD. O Eurosistema iniciou também os preparativos para contribuir para a aplicação do Regulamento (UE) 858/2022 a um regime‑piloto para as infraestruturas de mercado baseadas na tecnologia de registo distribuído.

No domínio da superintendência do T2S, o Eurosistema finalizou a primeira avaliação do T2S face às expetativas de superintendência em matéria de ciber‑resiliência no primeiro trimestre de 2022. O Eurosistema concluiu igualmente a sua avaliação das alterações aplicadas ao T2S em 2022 (ver a secção 4.1).

A ciber‑resiliência das infraestruturas de mercado financeiro continua a ser um ponto fulcral quer na área operacional dos Serviços TARGET (ver a secção 4.1) quer na superintendência. Em 2022, foi lançada uma análise da estratégia de ciber‑resiliência do Eurosistema/Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) para as infraestruturas de mercado financeiro e alguns dos seus instrumentos, tendo sido concluída uma nova ronda do inquérito sobre ciber‑resiliência relativo às infraestruturas de mercado financeiro, enquanto o Conselho de Ciber‑resiliência do Euro trabalhou na partilha de informação (particularmente tendo em conta a invasão da Ucrânia pela Rússia), na coordenação de crises e nos riscos de terceiros. No âmbito do quadro TIBER‑UE, o Centro de Conhecimento do TIBER‑UE desenvolveu as melhores práticas de equipa de segurança ofensiva e defensiva (“equipa roxa”), uma atividade colaborativa realizada durante uma determinada fase de um teste TIBER.

5 Operações de mercado e serviços financeiros prestados a outras instituições

Em 2022, continuaram a vigorar a maior parte das linhas de liquidez em euros disponibilizadas a outros bancos centrais que haviam sido criadas ou ativadas a partir de 2020, tendo sido disponibilizadas novas linhas ao Narodowy Bank Polski e à Autoritat Financera Andorrana. O BCE continuou a disponibilizar operações em dólares dos Estados Unidos a contrapartes da área do euro, proporcionando assim um mecanismo de apoio ao financiamento baseado no mercado. Não ocorreu nenhuma intervenção por parte do BCE no mercado cambial.

O BCE continuou a ser responsável pela administração de várias operações financeiras em nome da UE e a desempenhar um papel de coordenação no que se refere ao quadro dos serviços de gestão de reservas do Eurosistema.

A transmissão das alterações das taxas de juro diretoras do BCE aos mercados monetários da área do euro (caixa 3) foi completa e imediata no segmento do mercado monetário a curto prazo sem garantia, enquanto as taxas a prazo sem garantia aumentaram apenas lentamente. A transmissão dos aumentos das taxas aos mercados monetários com garantia foi também bastante regular, embora com alguma heterogeneidade na velocidade de ajustamento entre segmentos.

5.1 Evolução das operações de mercado

Linhas de liquidez em euros e em moeda estrangeira

As linhas de liquidez continuaram a ajudar o BCE a cumprir o seu objetivo de estabilidade de preços, a impedir a escassez de liquidez em euros e a evitar repercussões

As linhas de swap e de operações de recompra do Eurosistema são instrumentos de política monetária utilizados como ferramentas de estabilização em períodos de tensão nos mercados financeiros mundiais.

Quando o Eurosistema disponibiliza euros a bancos centrais de países não pertencentes à área do euro, as linhas de liquidez dão resposta a eventuais necessidades de liquidez em euros nesses países, em caso de disfunções do mercado. Por conseguinte, evitam efeitos de repercussão nos mercados financeiros e nas economias da área do euro através de pressões em sentido ascendente sobre as taxas de curto prazo do mercado monetário ou de vendas forçadas de ativos que possam ter um impacto negativo na transmissão regular da política monetária do BCE. As linhas de liquidez também impedem que a escassez de liquidez em euros gere riscos para a estabilidade financeira.

Quando o BCE recebe moeda estrangeira de outro banco central (por exemplo, dólares dos Estados Unidos do Sistema de Reserva Federal) e fornece euros como garantia, as linhas de liquidez em moeda estrangeira asseguram a disponibilização contínua de empréstimos em moeda estrangeira. Tal evita uma desalavancagem abrupta, movimentos extremos de preços e interrupções no fluxo de crédito resultantes de tensões nos mercados de financiamento internacionais.

A maior parte das linhas de liquidez em euros estabelecidas ou ativadas desde 2020 permaneceram em vigor e foram prorrogadas inicialmente até 15 de janeiro de 2023 e mais tarde até 15 de janeiro de 2024, à exceção dos acordos de swap com o Българска народна банка (banco central nacional da Bulgária) e o Hrvatska narodna banka, e da linha de operações de recompra com o banco central nacional da Sérvia, que expirou no final de março de 2022. Em 2022, foram estabelecidas novas linhas de liquidez com o Narodowy Bank Polski e a Autoritat Financera Andorrana. O quadro 5.1 descreve as linhas de liquidez em euros em funcionamento em 31 de dezembro de 2022, através das quais o Eurosistema tinha a possibilidade de ceder liquidez em euros a bancos centrais estrangeiros. O recurso às linhas de liquidez em euros está limitado a fins de trimestre.

O acordo de swap recíproco com o banco central da China foi prorrogado por mais três anos, até outubro de 2025.

Em 2022, o BCE, em coordenação com o Sistema de Reserva Federal e os bancos centrais do Canadá, do Japão, do Reino Unido e da Suíça, continuou a disponibilizar liquidez em dólares dos Estados Unidos, geralmente com prazo de vencimento de sete dias. A disponibilização de dólares dos Estados Unidos nas principais jurisdições ajudou a aliviar a pressão nos mercados mundiais de financiamento e continuou a funcionar como mecanismo de apoio aos mercados privados de financiamento.

Quadro 5.1

Perspetiva geral das linhas de liquidez operacional

Fonte: Sítio do BCE.
Nota: O quadro não inclui linhas de operações de recompra estabelecidas com bancos centrais de países não pertencentes à área do euro ao abrigo da facilidade de operações de recompra do Eurosistema com bancos centrais (Eurosystem Repo Facility for Central Banks – EUREP), relativamente às quais o BCE não divulga as suas contrapartes.

Divulgação de informação sobre intervenções cambiais

Não ocorreu nenhuma intervenção por parte do BCE no mercado cambial

Em 2022, o BCE não realizou qualquer intervenção no mercado cambial. Desde o início do euro, o BCE interveio duas vezes no mercado cambial – em 2000 e 2011. Os dados sobre intervenções cambiais são publicados trimestralmente com um desfasamento de um trimestre no sítio do BCE e no seu serviço de divulgação de estatísticas online, o Statistical Data Warehouse. A informação publicada no quadro trimestral também é recapitulada anualmente no Relatório Anual do BCE (quadro 5.2). Nos casos em que não houve intervenções cambiais no trimestre em questão, este facto é explicitamente indicado.

Quadro 5.2

Intervenções cambiais do BCE

Fonte: BCE.

O quadro de divulgação abrange as intervenções cambiais realizadas unilateralmente pelo BCE e em coordenação com outras autoridades internacionais, bem como as intervenções realizadas “nas margens” no âmbito do mecanismo de taxas de câmbio (MTC II).

5.2 Administração das operações ativas e passivas da UE

O BCE processa pagamentos relativos a vários programas de concessão de empréstimos da UE

O BCE é responsável pela administração das operações ativas e passivas realizadas pela UE ao abrigo do mecanismo de apoio financeiro a médio prazo[44], do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF)[45], do instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE)[46] e do programa “Next Generation EU” (NGEU)[47]. Em 2022, o BCE também aceitou o pedido da Comissão Europeia para prestação de serviços de agente pagador, alargando, assim, os serviços de agente fiscal atualmente prestados pelo BCE. Os preparativos estão em curso para operacionalizar estes serviços em 2023.

Em 2022, o BCE processou pagamentos de juros referentes a empréstimos concedidos ao abrigo do mecanismo de apoio financeiro a médio prazo. Em 31 de dezembro de 2022, o montante nominal total do saldo das operações ao abrigo deste mecanismo ascendia a 200 milhões de euros. Em 2022, o BCE processou também diversos pagamentos de capital e de juros relacionados com empréstimos concedidos ao abrigo do MEEF. Em 31 de dezembro de 2022, o montante total do saldo das operações ao abrigo deste mecanismo ascendia a 46,3 mil milhões de euros. Em 2022, o BCE processou desembolsos de empréstimos concedidos ao abrigo do SURE a vários Estados‑Membros da UE e pagamentos conexos de juros. Em 31 de dezembro de 2022, o montante total do saldo das operações ao abrigo deste mecanismo ascendia a 98,4 mil milhões de euros. Por último, em 2022, o BCE processou desembolsos de empréstimos e subvenções concedidos ao abrigo do “Next Generation EU” a vários Estados‑Membros.

O BCE é também responsável pela administração de pagamentos relacionados com operações ao abrigo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF)[48] e do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)[49]. Em 2022, processou vários pagamentos de juros e comissões sobre um empréstimo concedido ao abrigo do FEEF.

Por último, o BCE é responsável pelo processamento de todos os pagamentos relacionados com o contrato de empréstimo à Grécia[50]. Em 31 de dezembro de 2022, o montante total do saldo das operações ao abrigo deste mecanismo ascendia a 44,8 mil milhões de euros.

5.3 Serviços de gestão de reservas do Eurosistema

Alguns BCN do Eurosistema prestaram serviços no quadro dos serviços de gestão de reservas do Eurosistema

Em 2022, continuou a ser disponibilizado um conjunto abrangente de serviços financeiros no quadro dos serviços de gestão de reservas do Eurosistema, criado em 2005 para a gestão dos ativos de reserva denominados em euros de clientes. Alguns BCN do Eurosistema disponibilizam serviços financeiros ao abrigo deste quadro, sob termos e condições harmonizados e de acordo com as normas do mercado, a bancos centrais, autoridades monetárias e organismos estatais localizados fora da área do euro, bem como a organizações internacionais. O BCE desempenha um papel de coordenação geral, monitoriza o bom funcionamento dos serviços, promove alterações destinadas a melhorar o quadro aplicável e prepara relatórios sobre a matéria para os órgãos de decisão do BCE.

O número de contas de clientes comunicadas nos serviços de gestão de reservas do Eurosistema era de 270 no final de 2022, o que compara com 265 no final de 2021. Em 2022, o total das posições agregadas (incluindo ativos de tesouraria e títulos detidos) geridas no quadro dos serviços de gestão de reservas do Eurosistema diminuiu cerca de 6% face a 2021.

Caixa 3
Transmissão das alterações das taxas de juro diretoras do BCE às taxas do mercado monetário do euro

Entre julho e dezembro de 2022, o BCE aumentou as suas taxas de juro diretoras em 250 pontos base, retirando a taxa de juro da facilidade permanente de depósito do BCE de terreno negativo para um nível de 2,0% no final do ano. Este ciclo de subida destaca‑se em termos históricos no que respeita à magnitude dos aumentos das taxas (duas subidas de 50 pontos base e duas subidas de 75 pontos base), à rapidez do ajustamento das taxas diretoras (ao longo de um período de cinco meses) e ao facto de ter ocorrido num contexto de liquidez excedentária historicamente elevada, superior a 4 biliões de euros.

A presente caixa apresenta uma visão geral da forma como as alterações das taxas diretoras foram transmitidas aos mercados monetários, que representam o primeiro elo da cadeia de transmissão da política monetária. Em suma, a transmissão foi plena e imediata no segmento de curto prazo sem garantia, como refletido na taxa de juro de curto prazo do euro (euro short‑term rate – €STR), enquanto as taxas a prazo sem garantia reagiram mais lentamente. No mercado monetário com garantia, as taxas dos acordos de recompra registaram, em parte, uma transmissão desfasada ou mesmo deficiente, principalmente devido à maior escassez de ativos de garantia em 2022. Além disso, a oferta limitada de títulos de curto prazo e o aumento da procura destes instrumentos contribuíram para uma transmissão apenas parcial dos aumentos das taxas diretoras às taxas dos títulos do Tesouro.

As taxas de curto prazo do mercado monetário sem garantia ajustaram‑se bem aos aumentos das taxas diretoras, enquanto as taxas a prazo sem garantia subiram apenas lentamente.

A €STR aumentou 249 pontos base entre julho e dezembro de 2022 e, por conseguinte, ajustou‑se quase exatamente ao aumento de 250 pontos base da taxa diretora (gráfico A). A distribuição das taxas de transação no mercado monetário que suportam a €STR, recolhidas ao abrigo do Regulamento BCE/2014/48 relativo às estatísticas de mercados monetários, também permaneceu estável, como refletido no diferencial inalterado entre os percentis 25 e 75 das taxas de juro subjacentes à €STR. Os volumes de curto prazo sem garantia transacionados recuperaram substancialmente, sobretudo desde que as taxas de juro regressaram a terreno positivo. Mais especificamente, o volume de negociação médio subjacente à €STR aumentou 20% entre setembro e dezembro de 2022 em comparação com o volume de negociação médio até setembro de 2022. No entanto, as taxas a prazo sem garantia, refletidas na taxa interbancária de oferta do euro (EURIBOR), reagiram lentamente às subidas das taxas nos prazos curtos (gráfico B). O ajustamento desfasado das taxas a prazo foi, em grande medida, impulsionado pela maior procura de investimentos de curto prazo no mercado monetário, num contexto de elevada incerteza quanto ao nível futuro das taxas diretoras, e por um prémio cobrado pelos bancos que aceitam depósitos a prazo.

A transmissão dos aumentos das taxas aos mercados monetários com garantia acabou também por ser globalmente concluída, embora com alguma heterogeneidade na rapidez de ajustamento entre segmentos.

Os acordos de recompra funcionam essencialmente como empréstimos de curto prazo com garantia, em que se procede à troca de numerário por um título, partindo da premissa de que a transação é revertida (tipicamente, no dia seguinte). A partir do último trimestre de 2021, a procura de empréstimos de títulos e de investimentos de curto prazo com garantia aumentou significativamente, alargando o diferencial entre as taxas dos acordos de recompra e a taxa da facilidade permanente de depósito do BCE, à medida que o tipo de ativos de garantia subjacentes a essas transações se tornava mais escasso. Analisando a transmissão dos três aumentos das taxas em julho, outubro e dezembro de 2022, todos eles foram, em grande medida, transmitidos às taxas dos acordos de recompra de curto prazo garantidas por obrigações de dívida pública da maioria dos países da área do euro, enquanto a transmissão aos ativos de garantia em obrigações de dívida pública com a notação mais elevada, por exemplo, os títulos de dívida pública alemã, registou alguns atrasos. Para a subida de 75 pontos base em setembro de 2022, que trouxe a taxa diretora de volta a terreno positivo, a transmissão às taxas dos acordos de recompra sofreu um atraso mais considerável e foi gravemente comprometida. Nos primeiros dias após a implementação da subida das taxas, as taxas dos acordos de recompra em todas as jurisdições da área do euro sofreram grandes pressões em sentido descendente, num contexto de preocupações quanto a um aumento substancial da procura de ativos de garantia, uma vez que, com o regresso das taxas de juro a níveis positivos, os investidores se precipitaram em investir posições de caixa no mercado de operações de recompra. Nas taxas dos acordos de recompra e nas taxas dos títulos do Tesouro com prazos mais longos, a transmissão foi também imperfeita, devido sobretudo à oferta limitada de ativos de garantia e à maior procura de tais investimentos. A disponibilidade de ativos de garantia melhorou perto do final de 2022, refletindo‑se numa redução do diferencial entre as taxas do mercado monetário com garantia e as taxas diretoras do BCE, devido em grande parte a várias iniciativas em nome do Eurosistema e dos serviços de gestão da dívida nacionais para atenuar a escassez de ativos de garantia, com a habitual volatilidade de fim de ano em finais de dezembro de 2022 (gráficos A e B).

Gráfico A

Transmissão dos aumentos das taxas às taxas de curto prazo do mercado monetário com e sem garantia

(percentagens; taxa média ponderada pelo volume)

Fontes: Cálculos do BCE, Bloomberg e BrokerTec/MTS.
Notas: Existem dois tipos de transação: transações de acordos de recompra com ativos de garantia não gerais orientadas para a troca de um título específico e transações de acordos de recompra orientadas para o numerário, os chamados ativos de garantia gerais. As taxas dos acordos de recompra apresentadas no gráfico combinam taxas dos acordos de recompra com ativos de garantia gerais e não gerais e prazos overnight, tomorrow/next (amanhã/dia seguinte) e spot/next (à vista/dia seguinte). A descida das taxas dos acordos de recompra no final de outubro e dezembro de 2022 deveu‑se a efeitos de fim de trimestre, quando as restrições de balanço dos bancos são particularmente severas nas datas de reporte regulamentar.

Gráfico B

Transmissão dos aumentos das taxas às taxas do mercado monetário com e sem garantia

(percentagens; taxa média ponderada pelo volume)

Fontes: Cálculos do BCE e Bloomberg.
Nota: Nas taxas dos swap indexados pelo prazo overnight a 1 mês, a taxa variável refere‑se à €STR esperada.

6 O numerário permanece o meio de pagamento utilizado com maior frequência pelos cidadãos europeus, com níveis de contrafação baixos

Em 2022, a circulação de notas de euro continuou a crescer (4,5% em quantidade e 1,8% em valor) e foi principalmente afetada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia e pelas subidas das taxas de juro diretoras do BCE a partir de julho.

O estudo do BCE sobre o comportamento de pagamento dos consumidores da área do euro revelou que o numerário foi o método de pagamento utilizado com maior frequência em pontos de venda, representando 59% dos pagamentos. Além disso, o primeiro inquérito sobre o uso de numerário pelas empresas concluiu que 96% das empresas que prestam serviços maioritariamente a clientes particulares aceitaram numerário e mais de 90% continuarão a fazê‑lo no futuro.

Os níveis de contrafação mantêm‑se notavelmente baixos. Continuam a ser desenvolvidos novos elementos de segurança para as notas, com o objetivo de permanecer sempre um passo à frente dos falsificadores e melhorar ainda mais a resiliência e integridade das notas.

6.1 Circulação de notas de euro

A circulação de notas de euro aumentou em linha com dois acontecimentos principais

No final de 2022, a circulação de notas de euro atingiu 29,5 mil milhões de unidades e um valor total de 1,57 biliões de euros. Tal representa taxas de crescimento homólogas positivas de 4,5% e 1,8% em termos de quantidade e de valor das notas, respetivamente. A circulação de notas de euro em 2022 foi afetada por dois acontecimentos principais. Primeiro, a invasão da Ucrânia pela Rússia, que gerou mais procura de notas de euro em fevereiro e março de 2022, uma vez que as pessoas desejavam ter fundos suficientes para fazer face a eventuais disrupções nos ecossistemas de pagamentos. A procura de notas de euro estabilizou a partir de abril de 2022. Segundo, a subida das taxas de juro diretoras do BCE a partir de 27 de julho de 2022 encareceu as detenções de numerário em euros relativamente aos instrumentos remunerados. Consequentemente, uma pequena parte das notas de euro em circulação regressou ao Eurosistema, com um efeito descendente sobre a circulação de notas de euro (gráfico 6.1).

Gráfico 6.1

Quantidade e valor das notas de euro em circulação

(escala da esquerda: em mil milhões de euros; escala da direita: mil milhões)

Fonte: BCE.

Para manter a qualidade das notas de euro em circulação e a confiança nelas depositada, os BCN do Eurosistema processaram 24,8 mil milhões de notas de euro. Destas, 3,2 mil milhões de notas desgastadas tiveram de ser substituídas por notas recém‑impressas.

O valor das moedas de euro em circulação também aumentou, em 4,0% em termos homólogos, alcançando 32,5 mil milhões de euros no final de 2022. Tal representa um total de 145 mil milhões de moedas de euro em circulação.

A introdução das notas e moedas de euro em formato físico em 2002 constituiu um marco na história da Europa, tendo sido considerada, inclusive, um evento notável a nível mundial, pois foi – e ainda é – a maior transição monetária do mundo.

6.2 Estudos sobre o comportamento de pagamento dos consumidores e o uso de numerário pelas empresas na área do euro

Estudo sobre o comportamento de pagamento dos consumidores na área do euro

O numerário permaneceu o meio de pagamento utilizado com maior frequência em pontos de venda

Entre outubro de 2021 e junho de 2022, o BCE realizou o estudo sobre o comportamento de pagamento dos consumidores na área do euro para avaliar o comportamento e as preferências de pagamento dos consumidores, assim como o seu acesso aos vários instrumentos de pagamento. O estudo demostrou que o numerário foi o método de pagamento utilizado com maior frequência em pontos de venda, com 59% de todos os pagamentos a ser realizados em numerário, ainda que o peso dos pagamentos em numerário tenha caído de 72% em 2019. Em termos de valor, os cartões atingiram uma percentagem de pagamentos superior ao numerário (46% face a 42%). O numerário foi aceite em 95% das transações em locais de pagamento físicos no conjunto da área do euro, tendo sido possível pagar com instrumentos de pagamento escriturais em 81% das transações.

A maioria dos consumidores da área do euro estava satisfeita com o seu acesso a numerário. Segundo a grande maioria dos consumidores (90%) o acesso a um caixa automático ou a um banco foi relativamente fácil ou muito fácil.

Uso de numerário pelas empresas na área do euro

96% das empresas com clientes particulares aceitam numerário e 90% continuarão a fazê‑lo no futuro

Em 2022, o BCE publicou os resultados do seu primeiro inquérito sobre o uso de numerário pelas empresas, clarificando a visão estratégica das empresas sobre o uso e aceitação de numerário presentes e futuras. O numerário deverá manter‑se relevante enquanto método de pagamento, tendo em conta que mais de 90% das empresas que aceitam numerário atualmente pretendem continuar a fazê‑lo no futuro. A segurança e a fiabilidade são os critérios mais importantes para as empresas no momento de decidir se aceitam um meio de pagamento.

6.3 Níveis reduzidos de contrafação e evolução das notas de euro

Níveis de contrafação de notas de euro notavelmente baixos

Em 2022, observou‑se o segundo nível mais baixo de contrafações em relação às notas em circulação desde a introdução das notas de euro

Ao longo de 2022, foram retiradas de circulação 376 000 notas de euro contrafeitas. Detetaram‑se 13 contrafações por milhão de notas genuínas em circulação, o que representa o segundo nível mais baixo de notas contrafeitas em relação às notas em circulação desde a introdução das notas de euro (gráfico 6.2). Houve um aumento de 8,4% do número total de notas contrafeitas retiradas de circulação em comparação com 2021. Tal reflete igualmente a recuperação da atividade económica em 2022 após o levantamento da maior parte das restrições relacionadas com a pandemia. A qualidade das contrafações continua a ser baixa. Consequentemente, podem ser detetadas com muita rapidez e facilidade através do teste “tocar, observar e inclinar”.

Gráfico 6.2

Quantidade de notas de euro contrafeitas detetadas anualmente por milhão de notas genuínas em circulação

Fonte: BCE.

Evolução das notas de euro

Os novos elementos de segurança desenvolvidos permaneceram sempre um passo à frente dos falsificadores

Para assegurar uma qualidade elevada das notas de euro e a sua resiliência à contrafação no futuro, continuam a ser desenvolvidos novos elementos de segurança, tendo ainda em consideração as vantagens oferecidas pelos avanços tecnológicos. Outros objetivos importantes definidos para as futuras notas incluem o redesenho das notas de euro e a redução do seu impacto ambiental. Ainda não foi tomada qualquer decisão sobre a produção e lançamento efetivos das novas notas de euro.

7 Estatística

O BCE, coadjuvado pelos BCN, desenvolve, recolhe, compila e publica um amplo conjunto de estatísticas e dados necessários para apoiar a política monetária do BCE, bem como as atribuições relacionadas com a estabilidade financeira e outras atribuições do SEBC e do CERS. Essas estatísticas são também utilizadas pelas autoridades públicas, por organizações internacionais, pelos participantes nos mercados financeiros, pelos meios de comunicação social e pelo público em geral, e ajudam o BCE a aumentar a transparência do seu trabalho.

Em 2022, o BCE centrou‑se em novas estatísticas da área do euro, nomeadamente na publicação reforçada de estatísticas sobre títulos, no desenvolvimento de indicadores para os swaps indexados pelo prazo overnight do mercado monetário do euro baseados em dados reportados no âmbito da prestação de informação sobre o mercado monetário, em informação sobre entidades com finalidade específica (special purpose entities – SPE) e em estatísticas externas bilaterais dos países da área do euro face à Rússia. Foram desenvolvidos indicadores experimentais para apoiar a política em matéria de alterações climáticas e começaram os trabalhos da fase de conceção do quadro de reporte integrado (Integrated Reporting Framework – IReF). Além disso, foram incluídos novos dados sobre instituições financeiras não bancárias nas contas financeiras trimestrais.

7.1 Estatísticas da área do euro novas e melhoradas e outros desenvolvimentos

O Conselho do BCE adotou uma orientação relativa à produção de novos dados mensais sobre emissões de títulos

O Conselho do BCE adotou uma nova orientação em matéria de estatísticas sobre títulos e emissões de títulos[51]. Esta orientação define os requisitos alterados para gestão da qualidade dos dados da Base de Dados de Informação Centralizada sobre Títulos (Centralised Securities Database – CSDB) do SEBC e os novos requisitos para a produção de estatísticas de emissões de títulos baseados em dados da CSDB.

Novas estatísticas sobre emissões e detenções de títulos foram disponibilizadas com uma tempestividade significativamente melhorada

Após a adoção da orientação, o BCE iniciou a publicação de novas desagregações de estatísticas de emissões de títulos por método de avaliação, prazo de vencimento e tipo de taxa de juro para todos os Estados‑Membros da UE. Este é o primeiro conjunto de dados de micro para macro do SEBC, em que os microdados da CSDB são utilizados para compilar estatísticas macro oficiais de acordo com as normas estatísticas internacionais. Os dados estão disponíveis com uma tempestividade significativamente melhorada. O BCE também aumentou significativamente a publicação de estatísticas relativas a detenções de títulos com novas desagregações por país da área do euro, assim como por setor detentor e setor emitente. Os novos dados permitem obter uma imagem mais tempestiva e completa dos mercados financeiros, permitindo uma monitorização mais eficaz das atividades do mercado primário e secundário.

Foram publicadas novas estatísticas sobre os swaps indexados pelo prazo overnight no mercado monetário do euro

O BCE começou a publicar novas estatísticas sobre os swaps indexados pelo prazo overnight no mercado monetário do euro baseadas nos dados reportados no âmbito da prestação de informação estatística sobre o mercado monetário e recolhidos de 47 bancos da área do euro[52]. As séries de dados incluem informação relativa aos mercados à vista e a prazo de swaps indexados pelo prazo overnight, especificamente sobre o montante nominal total e médio diário e a taxa média ponderada. As novas estatísticas complementam os dados sobre os segmentos do mercado monetário com e sem garantia, os quais têm sido publicados regularmente desde novembro de 2017 e janeiro de 2019, respetivamente. A publicação destas novas estatísticas serve para melhorar a transparência do mercado e, consequentemente, o funcionamento do mercado monetário.

A orientação do BCE em matéria de estatísticas externas foi alterada para incluir as entidades com finalidade específica

Em maio de 2022, o Conselho do BCE adotou a alteração à orientação em matéria de estatísticas externas para recolher informação estatística sobre SPE[53]. Tal permitirá uma melhor compreensão do seu papel no sistema económico e financeiro da área do euro. A primeira transmissão de dados relativos a transações e stocks transfronteiras de SPE residentes começou em março de 2023, tendo por base os dados para o quarto trimestre de 2022, enquanto os dados retrospetivos para o primeiro trimestre de 2020 serão transmitidos até setembro de 2023.

Divulgação pública das estatísticas externas dos países da área do euro face à Rússia

Em outubro de 2022, o BCE iniciou a publicação de um subconjunto de estatísticas externas bilaterais dos países da área do euro face à Rússia[54]. Esta granularidade adicional de periodicidade trimestral permite um nível de pormenor estatístico útil para analisar, com atualidade, as transações e posições transfronteiras entre os países da área do euro e a Rússia.

7.2 Desenvolvimento de indicadores experimentais para apoiar a política relativa às alterações climáticas

Foram introduzidos novos indicadores sobre alterações climáticas para apoiar a estratégia de política monetária do BCE

Tendo por base o trabalho concluído em 2022, em 24 de janeiro de 2023, o BCE publicou pela primeira vez três conjuntos de novos indicadores estatísticos relativos ao financiamento sustentável, às emissões de gases com efeito de estufa e ao risco físico. Este trabalho integra o plano de ação[55] do BCE para incluir considerações sobre as alterações climáticas na sua estratégia de política monetária. O desenvolvimento destes indicadores sobre as alterações climáticas foi extremamente complexo. Entre outros, os indicadores passam por fazer corresponder vários conjuntos de microdados de diferentes países, desenvolver mecanismos de imputação apropriados para dados em falta e inspecionar a qualidade dos dados tendo em consideração aspetos como a confidencialidade, a reprodutibilidade e a representatividade. Deste modo, dado que as diferenças dependem do subconjunto de dados em questão, os conjuntos de dados permanecem um “trabalho em curso”, existindo algumas reservas que limitam o uso destes indicadores.

Foram divulgados os três conjuntos de dados seguintes[56]:

  1. Indicadores sobre financiamento sustentável: fornecem uma visão geral da emissão e detenção de instrumentos de dívida com caraterísticas de sustentabilidade por residentes na área do euro. Este conjunto de dados é já bastante abrangente e está publicado com a etiqueta de qualidade de dados “experimental”.
  2. Indicadores sobre as emissões de gases com efeito de estufa das instituições financeiras: proporcionam informação sobre a intensidade de gases com efeito de estufa das carteiras de títulos e empréstimos das instituições financeiras, como os bancos, contribuindo, assim, para avaliar o papel do setor no financiamento da transição para uma economia com zero emissões líquidas e os riscos a ela associados. No entanto, o conjunto de dados subjacente terá de ser melhorado, particularmente em termos de cobertura. Por este motivo, os indicadores devem ser interpretados com cautela e encarados como um trabalho em curso, de natureza analítica.
  3. Indicadores sobre os riscos físicos das carteiras de empréstimos e títulos: avaliam os riscos decorrentes dos desastres naturais provocados pelas alterações climáticas, tais como cheias e incêndios florestais, no desempenho das carteiras de empréstimos, obrigações e ações. O conjunto de dados subjacente deverá ser melhorado, por exemplo, no que diz respeito aos pormenores da informação sobre localização. Por conseguinte, os indicadores devem ser interpretados com cautela e encarados como um trabalho em curso, de natureza analítica.

Em linha com o plano de ação definido pelo Conselho do BCE, estão a ser desenvolvidas melhorias nestes três conjuntos de dados, para as quais contribuem parcialmente fontes de dados novas e de maior qualidade, à medida que surgem, e quaisquer desenvolvimentos futuros em termos de metodologia quer no âmbito do SEBC quer a nível mundial.

7.3 Desenvolvimentos no quadro de reporte integrado

A redução do esforço de reporte começou a concretizar‑se

O compromisso de longa data do BCE para reduzir o esforço de reporte dos bancos e melhorar a qualidade e a comparabilidade dos dados ganhou forma em 2022. Em dezembro de 2021, foi lançada a fase de conceção do programa relativo ao IReF, que tem por objetivo reunir os requisitos estatísticos do Eurosistema para os bancos num quadro único e harmonizado que seja aplicável ao conjunto da área do euro e que possa também ser adotado por autoridades de outros Estados‑Membros da UE[57].

Durante a fase de conceção do IReF, os trabalhos centraram‑se no futuro quadro e na análise dos custos e benefícios

Durante a fase de conceção, o Eurosistema identifica os elementos‑chave do novo quadro (em termos de conteúdo e processos relacionados com dados) e delineia uma organização mais eficaz dos processos operacionais estatísticos do Eurosistema. Ao dar forma ao IReF, o Eurosistema tem em conta os contributos das partes interessadas relevantes através de uma análise contínua dos custos e benefícios[58]. No âmbito dessa análise, foram publicados três relatórios em setembro de 2022. Cada um centrou‑se em elementos específicos do sistema de reporte previsto, nomeadamente em temas relacionados com o conteúdo, a integração técnica de requisitos específicos a cada país e aspetos processuais e de implementação[59]. Além disso, o BCE organizou dois encontros de trabalho com o setor bancário em 2022 para discutir o estado atual da análise dos custos e benefícios.

O IReF é um primeiro passo no sentido de uma iniciativa mais ampla para um sistema integrado de reporte de dados estatísticos, prudenciais e de resolução na UE, como pedido pelo setor bancário europeu e solicitado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu. A EBA, o BCE, o Conselho Único de Resolução (CUR) e a Comissão Europeia começaram a cooperar por meio de um grupo informal de coordenação para aprofundar essa integração. Espera‑se que a cooperação entre as autoridades se formalize através da criação de um comité conjunto para o reporte dos bancos (Joint Bank Reporting Committee – JBRC), envolvendo o SEBC, a EBA, o MUS e autoridades nacionais competentes (ANC) de países não pertencentes ao MUS, o CUR, autoridades nacionais de resolução e a Comissão Europeia, como definido no estudo de viabilidade da EBA publicado em dezembro de 2021[60].

Caixa 4
Novas estatísticas sobre instituições financeiras não bancárias nas contas financeiras trimestrais

Outras instituições financeiras – o segundo maior setor financeiro na área do euro

As contas financeiras trimestrais publicadas pelo BCE fornecem uma nova desagregação das outras instituições financeiras (OIF). Depois das instituições financeiras monetárias (ou seja, bancos e fundos do mercado monetário), as OIF são o segundo maior setor financeiro na área do euro (gráfico A). O seu papel em expansão foi reconhecido no reexame da estratégia de política monetária do BCE realizado em 2020 e 2021 e a nova desagregação constitui um passo importante para facilitar a análise desta evolução[61]. Podem ser distinguidos três subsetores:

  • instituições financeiras cativas e prestamistas: são maioritariamente sociedades gestoras de participações sociais e entidades intragrupo, como as sociedades‑veículo de financiamento. Este subsetor representa 17% do setor financeiro da área do euro e concentra‑se em alguns países da área do euro (sendo que a Irlanda, o Luxemburgo e os Países Baixos totalizam mais de 85% das instituições cativas).
  • outros intermediários financeiros: são, por exemplo, corretores de títulos e derivados e sociedades de titularização envolvidas em operações de titularização. Este subsetor representa 4% do setor financeiro a nível da área do euro. Os dados sobre os outros intermediários financeiros são essenciais para uma análise completa do processo de intermediação financeira na área do euro.
  • auxiliares financeiros: facilitam as operações financeiras sem se tornarem a contraparte legal (ou económica). Alguns exemplos são as bolsas de valores, gestores de fundos de pensões e de fundos de investimento e corretores de seguros. Representam 1% do setor financeiro da área do euro.

Gráfico A

Subsetores financeiros na área do euro

(saldo das responsabilidades no final do terceiro trimestre de 2022 em percentagem das responsabilidades do setor financeiro)

Fonte: Contas setoriais trimestrais, BCE.

8 Atividades de investigação do BCE

Em 2022, a investigação do BCE dedicou‑se a avaliar a evolução da inflação e a analisar os possíveis impactos da normalização da política monetária. Expandiu‑se a utilização dos conjuntos de dados disponíveis através da rede sobre o financiamento e consumo das famílias (Household Finance and Consumption Network – HFCN) para incluir a análise das heterogeneidades nas finanças das famílias no conjunto da área do euro. Iniciaram‑se novos projetos com base na vasta informação recolhida através do inquérito sobre as expetativas dos consumidores (Consumer Expectations Survey – CES) do BCE. A investigação sobre questões relacionadas com as alterações climáticas também se intensificou. O BCE continuou a colaborar com os BCN no âmbito dos núcleos de investigação do SEBC, tendo sido organizados encontros de trabalho anuais para discutir as questões mais prementes nas respetivas áreas de especialização. A rede para a análise da fixação de preços com base em microdados (PRISMA, do inglês “price‑setting microdata analysis”) concluiu o seu trabalho e chegou a várias constatações relevantes em termos de política (ver a caixa 5).

8.1 Ponto de situação sobre as iniciativas de investigação do BCE

A investigação centrou‑se na avaliação do impacto da normalização da política monetária

Em 2022, a investigação do BCE teve como foco principal os efeitos da normalização das taxas de juro e do balanço, incluindo os canais de transmissão e compromissos envolvidos. Foi utilizado um vasto conjunto de modelos internos com ligações macrofinanceiras para avaliar o possível impacto da normalização na estabilidade financeira. Da generalidade deste trabalho de investigação retirou‑se a conclusão fundamental e persistente de que a normalização da política mitiga a acumulação de vulnerabilidades financeiras e reduz os riscos extremos para a inflação no médio prazo à custa de condições de financiamento mais restritivas e de maiores riscos em sentido descendente para o crescimento no curto prazo.

A HFCN providenciou informações essenciais para a investigação sobre heterogeneidade

A HFCN tem fornecido dados essenciais para a construção das contas de distribuição da riqueza da área do euro e constitui uma fonte de informação importante para vários projetos de investigação conduzidos pelo grupo de trabalho de investigação sobre heterogeneidade (Research Taskforce on Heterogeneity) do BCE.

A investigação baseada em dados da HFCN centrou‑se na diferença em termos de riqueza e ativos líquidos entre as famílias não imigrantes e imigrantes da área do euro, nas dificuldades financeiras sentidas pelas famílias, nas diferenças substanciais nas taxas de habitação e de habitação própria entre os países da área do euro e na heterogeneidade do impacto da pandemia nas finanças das famílias.

Iniciaram‑se novos projetos com base em conjuntos de dados do CES

O CES do BCE ganhou maior visibilidade ao longo de 2022. Tal foi evidenciado pelo desenvolvimento de novos módulos de inquérito sobre as finanças dos consumidores, habitação, mercados de trabalho e outros tópicos relacionados com a banca central, bem como pela expansão dos resultados de investigação e novos projetos que vão beber à grande seleção de temas incluídos no inquérito. O trabalho com base no CES tem ocupado um lugar de destaque na análise económica, monetária e financeira do BCE, bem como nas suas publicações oficiais. Tal como salientado na recém‑desenvolvida página do CES na internet, das publicações que contemplam dados do inquérito resultaram novas conclusões sobre diversos temas, incluindo expetativas de inflação, comunicação dos bancos centrais, consumo e financiamento do consumo, transmissão da política monetária às famílias, choque energético e apoio orçamental às famílias. Além disso, os resultados agregados dos inquéritos mensais são agora publicados regularmente na página do CES na internet. Um comunicado de periodicidade mensal iniciado em agosto de 2022 resume as expetativas dos consumidores para a inflação, mercado da habitação, acesso ao crédito, rendimento, consumo, mercado de trabalho e crescimento económico.

Da investigação aprofundada sobre questões relacionadas com alterações climáticas resultaram conclusões relevantes em termos de política

A investigação sobre as alterações climáticas intensificou‑se ao longo de 2022. Os investigadores centraram‑se em vários aspetos da interação entre estabilidade financeira, mercados financeiros, política governamental e transição ecológica. Foram publicados vários documentos de investigação do BCE sobre diversos aspetos deste tema, dos quais surgiram as seguintes conclusões relevantes em termos de política: i) a concessão de empréstimos bancários responde à política climática, com uma reafetação visível da concessão de empréstimos a empresas de combustíveis fósseis entre fronteiras nacionais em resposta aos impostos sobre o carbono[62] e uma diminuição significativa da concessão de empréstimos a empresas com emissões intensivas de gases com efeito de estufa após o Acordo de Paris[63]; ii) economias mais baseadas em capitais próprios descarbonizam mais rapidamente do que economias mais baseadas na dívida[64]; iii) a escassez de recursos naturais impulsiona mudanças técnicas de poupança de energia[65]; e iv) é consideravelmente mais oneroso para a sociedade fixar os impostos sobre o carbono em níveis inferiores aos ótimos do que em níveis superiores aos ótimos[66].

Numa outra linha de investigação, estudou‑se a forma como o risco climático e a estabilidade financeira estão interligados e consideraram‑se três dimensões principais: 1) dados sobre os riscos climáticos para o sistema financeiro e respetiva medição, 2) avaliações, com recurso a testes de esforço, dos riscos climáticos e 3) implicações dos riscos climáticos para a política macroprudencial. As conclusões foram publicadas num relatório conjunto do BCE e do CERS em julho de 2022.

8.2 Atualização sobre o trabalho dos núcleos de investigação do SEBC

Continuou a colaboração entre os núcleos de investigação e foi lançado o núcleo de investigação sobre as alterações climáticas

As redes de investigação regulares continuaram a coordenar os esforços de investigação no âmbito do SEBC e a manter relações com investigadores académicos. Em particular, os núcleos de investigação do SEBC – sobre economia monetária (núcleo 1), sobre macroeconomia internacional, política orçamental, economia do trabalho, competitividade e governação da União Económica e Monetária (UEM) (núcleo 2), sobre estabilidade financeira, regulamentação macroprudencial e supervisão microprudencial (núcleo 3) e sobre alterações climáticas (núcleo 4) organizaram encontros de trabalho relativos às questões mais prementes nas suas áreas.

O encontro de trabalho anual do núcleo 1 realizou‑se em Paris nos dias 10 e 11 de outubro de 2022. Organizado pelo Banque de France, centrou‑se nos temas da inflação, taxas de juro e interações entre a política monetária e as políticas orçamentais. O núcleo 2 realizou o seu encontro de trabalho anual no Bank of Greece em 29 e 30 de setembro de 2022. Focou‑se nas implicações das sanções económicas, particularmente nos seus efeitos no comércio, no emprego e na produção. Os membros debateram ainda as interações entre a política monetária e as políticas orçamentais, assim como a conceção das instituições da UE face à ameaça de desintegração. O encontro de trabalho anual do núcleo 3, organizado pelo Banco de Portugal, foi realizado em Lisboa em 20 e 21 de outubro de 2022. Cobriu vários temas, desde a regulamentação e supervisão bancárias até aos mercados da habitação e às moedas digitais de bancos centrais. Em 5 e 6 de setembro de 2022, o núcleo 4 realizou o seu primeiro encontro de trabalho anual online, organizado pelo Deutsche Bundesbank. O encontro tratou da investigação teórica e empírica sobre os efeitos macroeconómicos das alterações climáticas e da política climática, assim como sobre as suas implicações para vários mercados financeiros.

Caixa 5
Microdados em destaque – conclusões da rede para a análise da fixação de preços com base em microdados

A rede para a análise da fixação de preços com base em microdados (PRISMA, do inglês “price‑setting microdata analysis”) foi criada em 2018 pelo Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) para aprofundar a compreensão do comportamento de fixação de preços e da dinâmica da inflação na UE, com vista a obter novas perspetivas sobre este elemento fundamental da transmissão da política monetária. Concluiu oficialmente o seu trabalho em março de 2022.

No âmbito da rede PRISMA, os especialistas do BCE e dos bancos centrais nacionais produziram uma grande quantidade de trabalhos de investigação e produtos de política que incidem sobre a fixação de preços e a dinâmica da inflação, o comércio eletrónico, os preços online e a heterogeneidade da inflação entre famílias. A investigação centrou‑se no período de 2010 a 2019 e resultou nas conclusões relevantes em termos de política apresentadas abaixo.

A frequência das variações de preços na área do euro no período de 2010 a 2019 foi baixa, mas heterogénea entre setores “nucleares”, subentendendo‑se uma transmissão lenta de choques nominais. Em média, 8,5% dos preços no consumidor sofreram alterações todos os meses (excluindo preços promocionais), um valor próximo da frequência de 10% registada nos Estados Unidos. O preço típico a nível do retalho excluindo promoções alterou‑se, assim, apenas a cada 12 meses, o que implica uma transmissão lenta dos impulsos nominais. A taxa de reavaliação de preços excluindo promoções foi mais baixa para os serviços (6% durante 17 meses) e mais alta para os produtos alimentares transformados (10% durante dez meses).

As variações de preços são heterogéneas, com aumentos e cortes tanto pequenos como grandes, e são impulsionadas principalmente por choques específicos das empresas. As variações típicas (não nulas) dos preços (preços “reajustados”) foram relativamente substanciais, mesmo excluindo promoções. No período de 2010 a 2019, o aumento e a diminuição medianos situaram‑se em cerca de 9% e 12%, respetivamente. No entanto, os aumentos e os cortes nos preços foram muito heterogéneos: 14% foram inferiores a ±2% em termos absolutos, enquanto cerca de 20% foram superiores a ±14%. Os choques de custos e de procura específicos das empresas foram, assim, mais relevantes do que os choques agregados para determinar quando e em que medida as empresas reajustam os seus preços. Os dados confirmam que as variações dos preços no produtor são mais frequentes e menores do que as variações dos preços no consumidor, em linha com conclusões anteriores para a área do euro.

Os preços online da maioria dos bens variam com maior frequência do que os preços nas lojas físicas, enquanto as respetivas dimensões quer dos cortes quer dos aumentos dos preços não diferem significativamente, o que é consistente com menores fricções na fixação dos preços online. Para a Polónia e a Alemanha, onde esta comparação pôde ser realizada, a taxa de reavaliação dos preços dos produtos não energéticos, exceto produtos alimentares transformados, foi mais elevada online do que offline (16,7% e 11,1%, respetivamente). No entanto, a dimensão (absoluta) dos aumentos e descidas dos preços online foi menor na Alemanha, enquanto na Polónia tendeu a verificar‑se o oposto. De um modo geral, estas conclusões estiveram em linha com menores fricções na fixação de preços online, pelo menos quando se trata de bens. Além disso, confirmaram evidências anteriores que corroboram o pressuposto de que, com o comércio online a ganhar quota de mercado em cada vez mais setores, a flexibilidade dos preços agregados poderá aumentar.

A fixação de preços depende ligeiramente da fase do ciclo económico, o que significa que, na conjuntura atual, podem ocorrer variações de preços mais frequentes e maiores do que as sugeridas pelas regularidades históricas. Os preços que estão longe dos seus valores‑alvo têm uma probabilidade um pouco mais elevada de se ajustarem. Estes dados, que demonstram diretamente a existência de um nível moderado de dependência da fase do ciclo económico, ainda podem influenciar a transmissão monetária, especialmente ao gerarem não linearidades em resposta a variações na tendência de inflação ou a grandes choques sobre os custos. Na conjuntura volátil atual, podem ocorrer variações de preços mais frequentes e maiores do que as sugeridas pelas regularidades históricas.

A variação da inflação no período de 2005 a 2019 deveu‑se a flutuações na dimensão média das variações de preços, uma vez que a taxa de reavaliação de preços registou uma evolução diminuta. Apesar de várias influências estruturais possíveis, a taxa de reavaliação de preços mostrou poucos sinais de seguir uma tendência quer descendente quer ascendente durante o período de inflação baixa em análise. Além disso, a sua variação cíclica limitada contribuiu pouco para as flutuações na inflação agregada, que refletiram, ao invés, sobretudo alterações na dimensão média das variações de preços. Mais especificamente, as perturbações agregadas afetaram a inflação ao alterarem a percentagem relativa de empresas que aumentaram ou diminuíram os preços praticados em vez da dimensão dos aumentos e das descidas de preços ou da taxa de reavaliação de preços. Contudo, este comportamento “linear” da inflação agregada poderá alterar‑se se os choques agregados forem maiores do que na experiência histórica, devido às não linearidades nas decisões a nível das empresas.

De acordo com modelos calibrados para corresponder à evidência de micropreços, alterações na tendência da inflação acima de 5‑6% aumentariam substancialmente a inclinação da curva de Phillips da área do euro. As simulações de modelos com não linearidades na fixação de preços consistentes com a evidência de micropreços sugerem que aumentos superiores a 5‑6% na tendência da inflação (e, por conseguinte, nas expetativas de inflação a longo prazo das empresas) aumentariam significativamente a taxa de reavaliação de preços e a inclinação das curvas de Phillips baseadas em modelos. Os dados para os Estados Unidos confirmam que, no período da “Grande Inflação” (Great Inflation) de 1978 a 1982, a taxa de reavaliação de preços se situou acima de 15% (comparando com 10% no período de inflação baixa em análise).

De igual modo, modelos calibrados mostram que choques substanciais sobre os custos podem ter efeitos não lineares na dinâmica da inflação. As não linearidades na fixação de preços implicam que, nas simulações baseadas em modelos, quanto maiores forem os choques nominais, maior o efeito na taxa de reavaliação de preços. Estes choques têm de ser superiores a 15% para que, no seu seguimento, as não linearidades acelerem significativamente a dinâmica da inflação. Tendo em consideração a conjuntura relativamente estável até 2019 – o período para o qual estão disponíveis microdados – há poucas evidências diretas relativas aos valores empíricos dos limiares dos choques. Ainda assim, no âmbito da rede PRISMA, têm sido analisados microdados em alguns países desde 2019 para se perceber se existem evidências de não linearidades no contexto da conjuntura volátil do período pandémico, tendo sido encontrados exemplos de grandes alterações na taxa de reavaliação de preços.

9 Atividades e deveres jurídicos

Em 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“Tribunal de Justiça”) interpretou pela primeira vez o conceito de “créditos sob qualquer outra forma” no contexto da proibição de financiamento monetário e reconheceu a independência financeira dos bancos centrais nacionais (processo C‑45/21). O Tribunal de Justiça também pôs termo a quase dez anos de contencioso relativo às medidas de resolução implementadas em Chipre em 2013 (processos T‑200/18 e T‑379/16) e clarificou melhor aspetos importantes dos poderes de supervisão do BCE (processo T‑275/19). O BCE emitiu 14 pareceres sobre propostas de legislação da UE e 32 pareceres sobre propostas de legislação nacional, no domínio das suas atribuições. Registaram‑se cinco casos de incumprimento da obrigação de consulta do BCE sobre projetos legislativos no que se refere à respetiva legislação nacional. O exercício de acompanhamento de 2022 do BCE relativo ao cumprimento pelos bancos centrais das proibições de financiamento monetário e de acesso privilegiado confirmou o respeito, em geral, do disposto nos artigos 123.º e 124.º do Tratado.

9.1 Jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE relativamente ao BCE

O Tribunal de Justiça interpretou pela primeira vez o conceito de “créditos sob qualquer outra forma” no contexto da proibição de financiamento monetário

Em setembro de 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia, reunido em Grande Secção, pronunciou‑se pela primeira vez sobre a interpretação da expressão “créditos sob qualquer outra forma” utilizada no artigo 123.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e definida no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii), do Regulamento (CE) n.º 3603/93 do Conselho como “qualquer financiamento de obrigações do setor público em relação a terceiros” (processo C‑45/21). Segundo o Tribunal de Justiça, a proibição relativa a uma forma de crédito no sentido de qualquer financiamento da obrigação do setor público perante terceiros não significa apenas que os BCN não devem assumir obrigações preexistentes em relação a terceiros que recaem sobre outras autoridades ou organismos públicos. Exige também que o financiamento efetivo de obrigações em relação a terceiros pelos BCN não decorra diretamente das medidas adotadas por outras autoridades ou organismos públicos, nem das opções de política por eles efetuadas. Na mesma apreciação da questão, o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente, também pela primeira vez, a dimensão financeira da independência dos BCN e interpretou as suas implicações no contexto do exercício, por um BCN, de funções atribuídas pelo direito nacional, fora do SEBC. De acordo com o Tribunal de Justiça, a capacidade de os BCN cumprirem de maneira independente uma atribuição abrangida pelo SEBC estaria comprometida se as funções atribuídas pelo direito nacional, fora desse âmbito, impedissem os BCN de constituírem recursos financeiros adequados, sob a forma de reservas ou amortecedores, para compensar perdas, em particular as resultantes de operações de política monetária.

O Tribunal Geral pôs termo a quase dez anos de contencioso relativo às medidas de resolução aplicadas em Chipre em 2013, ao julgar improcedentes as últimas ações de indemnização pendentes contra o BCE

Em julho e novembro de 2022, respetivamente, o Tribunal Geral julgou improcedentes as últimas ações de indemnização intentadas contra o BCE, entre outros demandados, por algumas partes interessadas de dois bancos cipriotas sujeitos a medidas de resolução em 2013 (processos T‑200/18 e T‑379/16). Os despachos proferidos acompanham o acórdão de 2020 do Tribunal de Justiça da União Europeia nos processos apensos Chrysostomides e Bourdouvali[67], cujo objeto era similar. Os demandantes alegaram que as medidas de resolução em causa tinham sido impostas pelo BCE e por outros demandados[68] em virtude, nomeadamente, da participação destes em reuniões com o Eurogrupo, do seu papel na negociação e aprovação do memorando de entendimento cipriota, bem como das decisões do Conselho do BCE relativas à cedência de liquidez em situação de emergência. O Tribunal Geral considerou que o BCE e os restantes demandados não cometeram qualquer violação do direito de propriedade, do princípio da proteção da confiança legítima, do princípio da proporcionalidade ou do princípio da igualdade de tratamento. Os despachos proferidos pelo Tribunal Geral puseram termo a quase dez anos de contencioso relativo às medidas de resolução aplicadas em Chipre em 2013 e em que a posição do BCE prevaleceu sempre, por demonstrar que agiu legalmente.

O Tribunal Geral clarificou melhor os poderes de investigação e de supervisão do BCE

Em dezembro de 2022, o Tribunal Geral proferiu quatro acórdãos, negando provimento a todas as ações intentadas pelo AS PNB Banka contra um conjunto de decisões de supervisão do BCE e clarificando melhor os poderes de supervisão do BCE. De janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, o BCE adotou uma série de decisões de supervisão relativamente ao AS PNB Banka. Na reapreciação destas decisões, o Tribunal Geral confirmou a competência do BCE para exercer, no que respeita a uma instituição de crédito menos significativa, todos os poderes de investigação elencados nos artigos 10.º a 13.º do Regulamento do MUS, incluindo as inspeções no local, e esclareceu que o regulamento aplicável não exige que a entidade inspecionada seja ouvida antes da adoção da decisão de realizar uma inspeção no local (processo T‑275/19). O Tribunal Geral confirmou igualmente que o BCE dispõe de um amplo poder discricionário para decidir assumir a supervisão direta de uma instituição menos significativa quando necessário para assegurar a aplicação coerente de elevadas normas de supervisão (processo T‑301/19). Terceiro, o Tribunal Geral decidiu que o BCE pode opor‑se a uma proposta de aquisição de uma participação qualificada quando existam motivos razoáveis para tal com base num ou mais dos critérios referidos no artigo 23.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36/UE, sem ser obrigado a analisar os restantes critérios (processo T‑330/19). Por último, tendo em conta a decisão de revogação, o Tribunal Geral esclareceu alguns aspetos relativos às relações entre uma proposta de uma ANC e a decisão final de revogação do BCE. Por exemplo, decidiu que, uma vez que não está vinculado pela proposta da ANC, o BCE deve proceder à sua própria avaliação, tendo em conta os elementos enumerados no artigo 83.º, n.º 2, do Regulamento‑Quadro do MUS. Consequentemente, o BCE pode, se for caso disso, na decisão final de revogação, acrescentar fundamentos de revogação que não tenham sido incluídos na proposta da ANC (processo T‑230/20).

9.2 Pareceres do BCE e casos de incumprimento

De acordo com o artigo 127.º, n.º 4, e o artigo 282.º, n.º 5, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o BCE deve ser consultado sobre qualquer proposta de legislação da UE ou nacional, no domínio das suas atribuições. Todos os pareceres do BCE são publicados no EUR‑Lex. Os pareceres do BCE sobre propostas de legislação da UE são também publicados no Jornal Oficial da União Europeia. Em 2022, o BCE emitiu 14 pareceres sobre propostas de legislação da UE e 32 pareceres sobre propostas de legislação nacional, no domínio das suas atribuições.

Registaram‑se cinco casos claros e importantes de incumprimento

Registaram‑se cinco casos de incumprimento da obrigação de consulta do BCE sobre projetos legislativos no que se refere à legislação nacional e da UE. O primeiro dizia respeito a uma lei finlandesa relativa a um sistema de pagamentos interbancários de emergência. Este caso foi considerado claro e importante devido ao seu potencial impacto na atribuição do SEBC de promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos e nas atribuições do Suomen Pankki – Finlands Bank. O segundo caso dizia respeito a uma lei italiana relativa a medidas que proíbem o financiamento de empresas que produzem minas antipessoal, munições de dispersão e submunições, que obrigavam as autoridades competentes, incluindo o Banca d’Italia, a garantir que as instituições de crédito respeitam a proibição de financiamento das referidas empresas. Este caso foi considerado claro e importante devido ao seu potencial impacto no Banca d’Italia tendo em conta a natureza atípica da obrigação para um BCN. O terceiro caso dizia respeito ao Land Development Agency Act da Irlanda (lei irlandesa relativa ao organismo responsável pelo desenvolvimento e organização do território), que prevê a aquisição obrigatória de terrenos pertencentes a organismos públicos pertinentes, incluindo o Banc Ceannais na hÉireann/Central Bank of Ireland. Este caso foi considerado claro e importante devido ao seu potencial impacto no Banc Ceannais na hÉireann/Central Bank of Ireland, nomeadamente na sua independência financeira. O quarto caso dizia respeito a uma lei lituana relativa a titularização e a obrigações com ativos subjacentes que altera a lei do Lietuvos bankas que o designava como a autoridade competente responsável pela supervisão pública da titularização e das obrigações com ativos subjacentes, conferindo‑lhe os correspondentes poderes de supervisão, investigação e sancionatórios. Este caso foi considerado claro e importante devido ao seu impacto nas atribuições do Lietuvos bankas. O quinto caso dizia respeito à diretiva da UE relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União. Este caso de incumprimento de consulta do BCE foi considerado claro e importante devido ao seu potencial impacto nas atribuições do SEBC, em especial a promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos, a contribuição para a boa condução das políticas desenvolvidas pelas autoridades competentes no que respeita à estabilidade do sistema do mercado financeiro e as atribuições do BCE em matéria de supervisão prudencial das instituições de crédito.

O BCE emitiu 14 pareceres relativos a propostas de legislação da UE

O BCE emitiu 14 pareceres relativos a propostas de legislação da UE, que abarcam temas como a introdução do euro na Croácia e a taxa de conversão do euro para a moeda croata; a introdução de um mecanismo de correção do mercado do preço de gás; as CSD; os requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento no que respeita aos requisitos para o risco de crédito e à resolução (CRR III); as competências de supervisão, as sanções, as sucursais de países terceiros e os riscos ambientais, sociais e de governação (CRD VI); a prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (Diretiva CBC6), e a criação da Autoridade para o Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo; a garantia de um elevado nível comum de cibersegurança na União (SRI 2); os mercados de instrumentos financeiros (Regulamento MiFIR/Diretiva MiFID II); os gestores de fundos de investimento alternativos; regras harmonizadas de acesso equitativo aos dados e a sua utilização (Regulamento Dados); o estabelecimento e o funcionamento do ponto de acesso único europeu destinado a permitir um acesso centralizado a informações publicamente disponíveis com relevância para os serviços financeiros, os mercados de capitais e a sustentabilidade; e o sistema de contas nacionais e regionais na UE.

O BCE emitiu 32 pareceres sobre projetos de legislação nacional

No que respeita à legislação nacional, que abrange frequentemente mais do que um assunto, o BCE emitiu oito pareceres em matéria cambial e de meios de pagamento, 25 pareceres relativos aos BCN, dois pareceres relativos aos sistemas de pagamentos e/ou de liquidação de títulos, quatro pareceres relativos a questões estatísticas, cinco pareceres sobre a estabilidade do sistema financeiro, dois pareceres relativos a instrumentos e operações de política monetária e sete pareceres relativos à supervisão prudencial das instituições de crédito.

9.3 Cumprimento das proibições de financiamento monetário e de acesso privilegiado

Nos termos do artigo 271.º, alínea d), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, compete ao BCE acompanhar o cumprimento por parte dos BCN da UE das proibições estipuladas nos artigos 123.º e 124.º do Tratado e nos Regulamentos (CE) n.º 3603/93 e n.º 3604/93 do Conselho. O artigo 123.º proíbe a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo BCE e pelos BCN em benefício de governos e de instituições ou organismos da UE, bem como a compra no mercado primário de títulos de dívida emitidos por essas instituições. O artigo 124.º proíbe quaisquer medidas, não baseadas em considerações de ordem prudencial, que possibilitem o acesso privilegiado às instituições financeiras por parte dos governos e das instituições ou organismos da UE. A par do Conselho do BCE, a Comissão Europeia acompanha o cumprimento por parte dos Estados-Membros das disposições atrás referidas.

O BCE acompanha igualmente a aquisição pelos bancos centrais da UE no mercado secundário de títulos de dívida emitidos pelo setor público nacional, pelo setor público de outros Estados-Membros e por instituições e organismos da UE. Nos termos dos considerandos do Regulamento (CE) n.º 3603/93 do Conselho, a aquisição de títulos de dívida do setor público no mercado secundário não deve servir para iludir o objetivo visado no artigo 123.º do Tratado. Tais aquisições não se deverão tornar uma forma de financiamento monetário indireto do setor público.

De um modo geral, as proibições estipuladas nos artigos 123.º e 124.º do Tratado foram respeitadas

O exercício de acompanhamento do BCE relativo a 2022 confirmou que os artigos 123.º e 124.º do Tratado foram, de um modo geral, respeitados.

O BCE continuará a acompanhar o envolvimento do Magyar Nemzeti Bank na Bolsa de Valores de Budapeste, dado que a aquisição de uma participação maioritária nesta bolsa pelo Magyar Nemzeti Bank em 2015 pode ainda suscitar preocupações de financiamento monetário.

A redução de ativos relacionados com a Irish Bank Resolution Corporation pelo Banc Ceannais na hÉireann/Central Bank of Ireland em 2022, através de vendas de títulos de dívida de taxa variável (floating rate notes) de longa duração, constitui uma etapa no sentido da necessária alienação integral destes ativos e melhora as perspetivas de dissolução total da Carteira Especial em 2023. A continuação das vendas a um ritmo apropriado contribuiria para mitigar as preocupações graves que persistem no respeitante ao financiamento monetário.

O financiamento pelos BCN de obrigações impostas ao setor público para com o Fundo Monetário Internacional (FMI) não é considerado financiamento monetário, desde que resulte em ativos externos que possuam todas as caraterísticas dos ativos de reserva. Contudo, os apoios financeiros disponibilizados em 2022 e anos anteriores por alguns BCN através do FMI para alívio da dívida de países pobres altamente endividados não resultaram em quaisquer ativos externos. Esta forma de contribuições financeiras por parte dos BCN para iniciativas do FMI não é, por conseguinte, compatível com a proibição de financiamento monetário e justifica medidas corretivas nos casos em que ainda não tenham sido plenamente implementadas (Nationale Bank van België/Banque Nationale de Belgique, Banque de France, Banca d’Italia, Lietuvos bankas e Sveriges riksbank).

10 O BCE no contexto internacional e da UE

O BCE continuou a interagir estreitamente com os seus parceiros europeus e internacionais em 2022. A relação do BCE com o Parlamento Europeu é uma componente essencial do respetivo quadro de prestação de contas. Ao longo do ano, o BCE participou em audições regulares e trocas de cartas com a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (ECON). Teve igualmente reuniões adicionais com esta comissão no contexto do trabalho em curso sobre um euro digital. A nível internacional, participou construtivamente num diálogo exigente com os ministérios das finanças e os bancos centrais dos países do Grupo dos Vinte (G20). Contribuiu ainda para os debates relevantes para os bancos centrais no FMI, centrando‑se nas respostas em termos de políticas destinadas a aliviar as consequências da guerra da Rússia contra a Ucrânia para os membros do FMI. O BCE também interagiu estreitamente com o FMI na operacionalização do Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade, destinado a facilitar a canalização voluntária de direitos de saque especiais (DSE) na sequência da atribuição geral histórica de DSE em 2021, em consonância com o quadro de governação da UEM. Prosseguiu igualmente, muitas vezes em conjunto com os seus parceiros do SEBC, a interação internacional em outros fóruns, para além do G20 e do FMI, incluindo por meio da cooperação de bancos centrais com a Ucrânia, com outros potenciais Estados-Membros da UE e com países em desenvolvimento e emergentes.

10.1 Responsabilização do BCE

O BCE cumpriu as suas obrigações de prestação de contas

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia confere independência ao BCE, pelo que a instituição não está sujeita a instruções das instituições da UE, nem de qualquer governo ou outros organismos nacionais. O BCE pode, assim, tomar decisões na prossecução do seu objetivo de manter a estabilidade de preços sem ser influenciado por intervenientes políticos. A necessária contrapartida da independência é a responsabilização. O BCE presta contas pelas suas ações ao Parlamento Europeu, enquanto organismo composto pelos representantes eleitos dos cidadãos da UE. O cumprimento efetivo das obrigações de prestação de contas do BCE ao Parlamento Europeu é uma parte essencial do seu trabalho. O diálogo bidirecional estabelecido com o Parlamento Europeu permite ao BCE explicar as suas medidas e políticas aos representantes dos cidadãos da UE e ouvir as preocupações dos mesmos. Este diálogo evoluiu com o tempo, indo além dos requisitos estabelecidos no artigo 284.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Além disso, as medidas do BCE estão sujeitas a controlo jurisdicional pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o que proporciona um nível adicional de responsabilização.

Prosseguiu a ampla interação com o Parlamento Europeu

Em 2022, a presidente do BCE compareceu a quatro audições regulares da ECON e, em fevereiro, participou no debate em sessão plenária sobre o Relatório Anual do BCE de 2020. Nas audições regulares, a presidente do BCE respondeu a mais de 120 perguntas de deputados do Parlamento Europeu sobre uma ampla variedade de temas. A maioria das perguntas incidiu sobre a política monetária do BCE e as perspetivas económicas (75%), mas os deputados também levantaram questões relacionadas com governação económica (9%), alterações climáticas (6%) e legislação financeira (4%). O vice-presidente do BCE também apresentou o Relatório Anual do BCE de 2021 à ECON em abril de 2022. Por essa ocasião, o BCE publicou os seus comentários ao contributo dado pelo Parlamento Europeu na sua resolução sobre o Relatório Anual do BCE de 2020. Além disso, em maio de 2022, uma delegação de membros da ECON participou na visita anual ao BCE, que ocorreu presencialmente, após dois anos de visitas virtuais durante a pandemia. Além destas interações diretas, o BCE também respondeu a 32 perguntas escritas de deputados do Parlamento Europeu ao longo do ano.

O BCE interagiu ainda estreitamente com a ECON no contexto do seu trabalho relacionado com um euro digital[69]. Em 2022, Fabio Panetta, membro da Comissão Executiva do BCE, participou em três audições da ECON para debater os progressos realizados durante a fase de investigação do euro digital, nomeadamente os aspetos da privacidade, da estabilidade financeira e do papel do setor privado no ecossistema de um euro digital. O BCE organizou também seminários técnicos a nível do pessoal com o Parlamento Europeu e participou em eventos organizados por deputados do Parlamento Europeu para discutir um euro digital.

O inquérito do Eurobarómetro do inverno de 2022/2023, realizado em janeiro e fevereiro de 2023, indicou que 79% dos inquiridos na área do euro apoiavam o euro. Apesar de estes resultados serem encorajadores, o mesmo inquérito também revelou que uma percentagem relativamente menor (44%) tendia a confiar no BCE. É essencial que o BCE fomente a confiança do público tanto para ancorar as expetativas de inflação como para proteger o BCE de pressões políticas passíveis de comprometer a sua independência. O BCE prosseguirá, assim, os esforços no sentido de reforçar a confiança do público, mantendo um diálogo construtivo com o Parlamento Europeu e os cidadãos da área do euro para explicar as suas decisões e escutar as preocupações dos mesmos.

10.2 Relações internacionais

G20

O G20 teve de responder ao impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia, bem como a desafios estruturais

A evolução económica mundial durante a presidência indonésia do G20 em 2022 foi dominada pelo grave impacto económico e humanitário da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que agravou as fragilidades mundiais e abrandou a recuperação mundial incipiente. Os ministros das finanças e os governadores dos bancos centrais do G20 tiveram de responder aos impactos diretos e indiretos da guerra, como a escassez de produtos alimentares e produtos energéticos, a subida da inflação mundial e problemas de dívida crescentes, sobretudo em países vulneráveis. Além disso, desafios estruturais a longo prazo, como a mitigação das alterações climáticas, uma maior preparação para pandemias e a prevenção do protecionismo e da fragmentação mundial, permaneceram no topo da agenda.

O BCE também continuou a apoiar as iniciativas do G20 no domínio do reforço da estabilidade e resiliência financeiras, nomeadamente a redução das vulnerabilidades estruturais decorrentes da intermediação financeira não bancária e a realização de progressos na implementação de um quadro regulamentar a nível internacional e jurisdicional para conter os riscos dos ecossistemas de criptoativos. Apoiou também o G20 no desenvolvimento de um quadro para assegurar transições climáticas justas e a um custo razoável, bem como para acelerar o fluxo de investimento sustentável. No que respeita a países vulneráveis, o BCE continuou a apoiar uma aplicação previsível, atempada e coordenada do Quadro Comum para o Tratamento da Dívida, bem como medidas destinadas a aumentar a transparência da dívida.

Questões de política relacionadas com o FMI e a arquitetura financeira internacional

O FMI introduziu medidas de apoio à Ucrânia e a outros membros para fazer face ao impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia

O FMI desempenhou um papel proeminente no apoio à Ucrânia e a outros países-membros afetados pelas repercussões diretas e indiretas da guerra da Rússia contra a Ucrânia, tais como as crises energética e alimentar. Recorreu a várias medidas, inclusivamente a uma vertente para choques alimentares recém-estabelecida ao abrigo dos instrumentos de financiamento de emergência e a um novo programa de acompanhamento com a participação da direção do FMI, dos quais beneficiaram a Ucrânia e vários outros países. Foi criada uma conta administrada para permitir aos países doadores canalizarem de forma segura apoio financeiro – empréstimos ou subvenções – à Ucrânia, utilizando a infraestrutura de pagamentos do FMI. Além disso, o FMI tem vindo a colaborar estreitamente com as autoridades ucranianas com vista a prestar apoio técnico às medidas de política económica de emergência da Ucrânia.

Prosseguiu o trabalho para aliviar o impacto dos desafios mundiais, incluindo a pandemia e a guerra da Rússia contra a Ucrânia

Em termos do conjunto de instrumentos de crédito do FMI, o novo Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade (Resilience and Sustainability Trust – RST), proposto pela primeira vez na sequência da afetação geral de DSE em 2021, foi aprovado e entrou em funcionamento antes das reuniões anuais do FMI de 2022. O RST ajudará a amplificar os efeitos positivos da atribuição geral de DSE em 2021, ao facilitar a canalização voluntária de DSE de membros com posições externas fortes para países com rendimentos baixos e países vulneráveis com rendimentos médios. O financiamento através do RST pode ser utilizado para responder a desafios estruturais a mais longo prazo, incluindo as alterações climáticas e a preparação para pandemias, contribuindo assim para a estabilidade futura da balança de pagamentos. No tocante a contribuições do SEBC, à semelhança de outras alternativas de canalização através do Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento, é essencial que os créditos sobre o RST mantenham a qualidade de ativos de reserva. Entre outras questões relacionadas com os DSE, em maio de 2022, o FMI concluiu a revisão quinquenal da valorização dos DSE, de acordo com a qual o euro permanece a segunda maior moeda em termos de quota-parte, a seguir ao dólar dos Estados Unidos.

Num contexto de vulnerabilidades acrescidas da dívida na sequência da pandemia, as quais foram exacerbadas pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, o FMI continuou a desenvolver a sua agenda de trabalho relacionada com a dívida, tendo concluído, na primavera de 2022, a análise das políticas do Fundo em matéria de dívida soberana em atraso e problemas de perímetro conexos. Nessa análise, foram reexaminadas as condições em que o FMI pode conceder empréstimos a um país-membro quando se verificam atrasos no pagamento da dívida soberana, tendo em conta a evolução do panorama de credores, incluindo o surgimento de novos credores oficiais bilaterais e institucionais e de novos instrumentos. Tal inclui o aperfeiçoamento dos créditos sujeitos à política de não tolerância de pagamentos em atraso, o nível mais elevado de proteção do FMI para créditos de instituições financeiras internacionais e credores bilaterais oficiais. Prosseguiu o trabalho sobre a transparência da dívida no âmbito da abordagem multifacetada conjunta do FMI e do Banco Mundial para fazer face a vulnerabilidades da dívida. O FMI concluiu ainda a análise da visão institucional sobre a liberalização e gestão dos fluxos de capital em março de 2022. Esta faz parte das suas atividades de supervisão, que são cada vez mais importantes à luz do abrandamento do dinamismo do crescimento, da maior restritividade das condições financeiras e do impacto das crises energética e alimentar.

11 Promover a boa governação e a sustentabilidade social e ambiental

Em 2022, o BCE acompanhou de perto a evolução da comunicação de informações sobre sustentabilidade a nível europeu e internacional, a fim de aumentar continuamente a transparência das suas atividades nos domínios ambiental, social e de governação. Realizaram‑se trabalhos fundamentais nestes domínios ao longo do ano, incluindo a concretização de várias etapas definidas para a agenda climática do BCE, o lançamento de campanhas de sensibilização e o fácil acesso a aconselhamento em matéria de ética e boa conduta, com o intuito de abordar a relevância crescente das questões éticas e de conformidade, a expansão da forma como o BCE comunica com o público e o ajustamento das políticas e práticas em matéria de recursos humanos às novas formas de trabalho que surgiram após a pandemia.

11.1 Resposta do BCE à sustentabilidade e respetivos impactos e riscos

Realizaram‑se trabalhos fundamentais em temas ambientais, sociais e de governação

O BCE começou a comunicar informações sobre temas ambientais, sociais e de governação (ESG, do inglês “environmental, social and governance”) de uma forma mais holística em 2021, com base numa avaliação da materialidade que identificou temas em matéria de sustentabilidade fundamentais para a organização. Este exercício orientou igualmente as divulgações do BCE relativas a 2022, que foram ainda enriquecidas por uma análise inicial dos temas de sustentabilidade identificados nas normas europeias de comunicação de informações sobre sustentabilidade em 2022[70].

Enquanto instituição pública, o BCE esforça‑se por alcançar o mais elevado nível de integridade e boa conduta, acompanhando e adaptando continuamente os seus quadros, de modo a torná-los adequados ao fim que prosseguem, num mundo em rápida mutação (ver a secção 11.2). No que respeita aos impactos sociais, o BCE continuou a envidar esforços para explicar as suas políticas ao público, dirigindo‑se a diferentes audiências e dando resposta às preocupações dos cidadãos, criando simultaneamente um espaço para conversas regulares com o público. A secção 11.3 define as principais atividades neste âmbito em 2022. O BCE também atualizou as suas políticas e práticas em matéria de recursos humanos em consonância com as novas formas de trabalho que surgiram em resposta à pandemia de COVID-19. Inclui‑se aqui o desenvolvimento de uma nova política de teletrabalho flexível, a introdução de novos programas de aprendizagem e o avanço das suas iniciativas em matéria de diversidade e inclusão, tal como descrito na secção 11.4. Em 2022, o BCE definiu de forma mais pormenorizada a sua abordagem estratégica às alterações climáticas através do desenvolvimento de uma agenda climática do BCE (ver a secção 11.5).

Além de avaliar os aspetos ESG de uma perspetiva de impacto, o BCE pondera os riscos de sustentabilidade à luz do quadro de governação em vigor, tal como sublinhado no capítulo relativo à gestão do risco nas contas anuais.

11.2 Reforço da ética e da integridade

O BCE coloca a ética e a boa conduta no centro das suas atividades

O BCE promove ativamente uma cultura organizacional de ética e conformidade, assegurando que os seus altos responsáveis, quadros de gestão e membros do pessoal desempenham as suas funções de acordo com os mais elevados padrões de conduta. O Gabinete de Conformidade e Governação é responsável pela determinação das regras deontológicas e de governação aplicáveis ao pessoal do BCE e pelo acompanhamento do cumprimento das mesmas. Organiza campanhas de sensibilização, cursos de formação e programas de e-learning e presta aconselhamento e orientação individuais sobre questões éticas. Em 2022, foram envidados esforços para aumentar a sensibilização para estas regras e facilitar o acesso ao aconselhamento em questões de ética. Tendo em conta a importância de uma rápida prestação de orientações de qualidade, o Gabinete de Conformidade e Governação desenvolveu um robô de conversação (chatbot) sobre ética, capaz de fornecer informações gerais e de responder em tempo real a perguntas simples em vários domínios da deontologia. Consequentemente, o número de questões submetidas ao Gabinete de Conformidade e Governação diminuiu quase 20%, passando de cerca de 2050 em 2021 para 1690 em 2022, permitindo aos peritos em ética e conformidade concentrarem‑se em assuntos mais complexos (gráfico 11.1).

Gráfico 11.1

Panorâmica geral dos pedidos recebidos em 2022 de membros do pessoal do BCE

Fonte: BCE.

O BCE desenvolveu uma abordagem estruturada para gerir o risco de conduta decorrente da subcontratação externa

Além das suas atividades regulares de prestação de informação e aconselhamento, o BCE investiu no reforço dos seus quadros de integridade e boa conduta. Em 2022, o BCE adotou uma abordagem estruturada para gerir o risco incorrido se as pessoas externas subcontratadas que trabalham em áreas sensíveis não se comportarem de acordo com as normas deontológicas do BCE. A nova abordagem complementa o quadro do BCE para a gestão do risco de fornecedores e contém orientações sobre o acompanhamento e a gestão do risco de conduta durante a execução do contrato.

Um Comité de Ética independente aconselha os altos responsáveis do BCE sobre questões deontológicas, sobretudo no que se refere a atividades privadas e a atividades profissionais remuneradas após a cessação de funções e avalia as respetivas declarações de interesses. Em consonância com o compromisso do BCE para com a transparência e o reforço da confiança do público, são publicados no sítio do BCE os pareceres do Comité de Ética relativos a conflitos de interesses, a atividades profissionais remuneradas após a cessação de funções e a atividades privadas, bem como às declarações de interesses dos altos responsáveis.

O BCE adotou regras reforçadas relativas às operações financeiras privadas dos altos responsáveis do BCE

Além disso, o Comité de Ética acompanha os desenvolvimentos internacionais no domínio da ética e da boa conduta e presta aconselhamento sobre a conveniência de atualizações ao código deontológico do BCE aplicável aos altos responsáveis do BCE. No final de 2021, o Comité de Ética propôs uma revisão das regras que regem as operações financeiras privadas, a fim de atenuar ainda mais os riscos de utilização abusiva de informações confidenciais e eventuais conflitos de interesses. Em resultado, em novembro de 2022, o Conselho do BCE adotou um código de conduta único reforçado que impõe restrições adicionais ao universo e ao horizonte de investimento das operações financeiras privadas, bem como novas obrigações de transparência[71].

A nível do Eurosistema, a Conferência de Ética e Conformidade, composta pelos responsáveis pela ética do BCE, dos BCN e das ANC, apoiou a aplicação em curso das orientações deontológicas adotadas em 2021, que promovem uma interpretação coerente das disposições em todas as instituições nacionais[72]. A fim de refletir a importância crescente da ética e da conformidade, o Conselho do BCE decidiu transformar a Conferência num Comité de Ética e Conformidade.

O BCE participou em atividades europeias e internacionais e na partilha de conhecimentos sobre questões éticas

O BCE participa em atividades conjuntas e na partilha de conhecimentos com as funções da deontologia de instituições europeias e organizações internacionais. Para incentivar conversas sobre ética e integridade, o Comité de Ética e Conformidade organizou sessões temáticas com oradores convidados oriundos de organizações europeias e internacionais. Em 2022, o BCE participou em debates interinstitucionais sobre a criação de um organismo de ética independente comum a todas as instituições da UE, contribuiu para o mecanismo de análise da aplicação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e assumiu a vice-presidência da Rede Deontológica de Organizações Multilaterais (Ethics Network of Multilateral Organizations).

11.3 Aumentar a transparência e promover a compreensão da política do BCE

O BCE continuou a defender o seu compromisso para com a estabilidade de preços e de se fazer entender melhor pelo público em geral

Em 2022, o aumento súbito da inflação, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente crise energética criaram um ambiente difícil, incluindo para a comunicação do BCE. Em períodos de incerteza excecional, uma comunicação clara, credível e coerente é particularmente essencial para ancorar as expetativas e fomentar a confiança do público no compromisso e na capacidade do BCE de restabelecer a estabilidade de preços. Para o efeito, o BCE prosseguiu grandes esforços para promover uma melhor compreensão das suas decisões entre especialistas e o público em geral, utilizando formatos inovadores e adotando uma abordagem multilingue.

Explicar a política do BCE em períodos de incerteza e não só

O BCE tranquilizou os cidadãos europeus e forneceu explicações acessíveis sobre as suas decisões de política

Com a subida da inflação para níveis não observados na história do euro e a tomada de medidas de política monetária decisivas por parte do BCE, foi essencial intensificar a comunicação e fornecer explicações acessíveis. Antes de mais, tal incluiu tranquilizar os cidadãos europeus quanto ao compromisso fundamental do BCE de reconduzir a inflação ao seu objetivo de 2% no médio prazo e à sua capacidade para assegurar a estabilidade de preços com os instrumentos ao seu dispor. Ao mesmo tempo, foi importante reconhecer que a inflação elevada exerce pressão sobre todos na economia e que o necessário aumento da restritividade da política monetária também causará dissabor.

O BCE envidou esforços consideráveis para explicar de que forma as suas decisões de política afetarão a inflação. O aumento das taxas de juro em julho de 2022 foi o primeiro em 11 anos. Para explicar ao público em geral o que as taxas de juro mais elevadas procuram alcançar, o que significam em concreto para as pessoas e as suas escolhas económicas, o BCE realizou uma campanha de comunicação abrangente. Tal envolveu a publicação de uma nova nota explicativa (disponível em todas as línguas da UE) e a organização de diversas participações em programas de televisão e de rádio por membros da Comissão Executiva do BCE e de membros do pessoal, a fim de explicar as várias decisões e as razões subjacentes às mesmas, bem como de dar resposta a eventuais preocupações.

Além disso, um episódio específico do Podcast do BCE explicou os mecanismos básicos de como as taxas de juro mais elevadas podem refrear a inflação e um segundo podcast centrou‑se na razão pela qual a restritividade da política monetária tem de continuar a aumentar, apesar do enfraquecimento da economia.

A partilha de mais informações e análises que se refletem nas decisões do BCE também pode ajudar a promover a compreensão da política do BCE entre o público interessado. Para o efeito, em 2022, foi lançado um Blogue do BCE renovado, que inclui agora contributos de membros da Comissão Executiva e de membros do pessoal do BCE.

Com um novo aspeto e um fluxo constante de publicações interessantes e visualmente atrativas, o Blogue do BCE tornou‑se um canal atrativo de aprendizagem sobre uma variedade de temas da banca central, que vão desde diferenças na forma como homens e mulheres “sentem” a inflação ao financiamento da inovação ecológica e ao aumento e queda dos criptoativos. Uma vez que as publicações no blogue são, em regra, concisas e redigidas numa linguagem acessível, tendem a atrair leitores para além de peritos e académicos.

Novas formas de alcançar o público em geral

O BCE aumentou a presença dos membros da Comissão Executiva na televisão e na rádio

Em 2022, o BCE deu também seguimento ao seu compromisso decorrente do reexame da respetiva estratégia de política monetária no sentido de alargar o alcance da sua comunicação e participação além dos mercados financeiros e especialistas, com o intuito de se centrar mais no público em geral. Com base em conclusões no domínio de investigações internas demonstrativas de que a maioria dos europeus (79%) ouve falar do BCE através da televisão e tendo em conta que a rádio e outros meios de comunicação de interesse geral desempenham igualmente um papel muito importante, em 2022, o BCE centrou os seus esforços nestes meios de comunicação. Tal refletiu‑se no aumento significativo da presença de membros da Comissão Executiva do BCE na rádio e na televisão (gráfico 11.2).

Gráfico 11.2

Aumento de participações de membros da Comissão Executiva do BCE na TV e na rádio

(percentagens da cobertura mediática geral)

Fonte: BCE.
Notas: As atividades dos membros da Comissão Executiva nos meios de comunicação social incluem entrevistas, publicações em blogues, contributos, editoriais, perguntas e respostas nas redes sociais e podcasts. Excluem‑se pequenos contributos e mensagens de vídeo.

Visto que os jovens, em particular, acedem cada vez mais a notícias através de canais digitais, o BCE também reforçou a sua presença online. Fê-lo melhorando os seus sítios, expandindo a sua atividade e utilizando novos formatos numa variedade de plataformas de redes sociais, o que levou a um crescimento contínuo do número de seguidores.

Tendo em conta os resultados do reexame da estratégia, o BCE comprometeu‑se também a tornar a participação e a interação diretas com o público em geral uma parte estrutural da sua comunicação – por outras palavras, expandir a sua comunicação unidirecional de modo a abranger a conversa bidirecional. Para o efeito, o conceito “O BCE escuta” desenvolveu‑se para um novo formato, a iniciativa "O BCE junto de si". Esta iniciativa procura permitir o diálogo direto entre os altos representantes do BCE e o público. Visa um alcance tão amplo quanto possível, por exemplo, através de programas de televisão adequados nos países da área do euro. O primeiro evento deste tipo num programa de televisão neerlandês chamado “College Tour” deu aos estudantes locais a oportunidade de interagirem em direto com a presidente Christine Lagarde sobre um conjunto de temas, incluindo inflação, euro digital, criptoativos e aconselhamento profissional.

Para alcançar eficazmente o público em geral, o BCE tem de falar com as pessoas nas suas próprias línguas. A única forma de o conseguir é adotando uma abordagem multilingue à comunicação. Para o efeito, partes significativas dos sítios do BCE estão disponíveis nas 24 línguas oficiais da UE, incluindo em irlandês desde 2022.

A disponibilização de acesso a documentos é uma parte fundamental da política de transparência do BCE. Em 2022, o BCE tomou várias iniciativas para facilitar a apresentação e o tratamento de pedidos de acesso do público a documentos do BCE. Em particular, dando seguimento às políticas e práticas propostas pela Provedora de Justiça Europeia para a aplicação do direito de acesso do público aos documentos, o BCE melhorou a informação disponível na página da internet “Acesso a documentos”, publicando o seu plano de arquivo e conservação, bem como informação resumida sobre os pedidos de acesso do público recebidos no ano anterior. No que respeita às recomendações sobre o registo de mensagens de texto e instantâneas enviadas/recebidas por membros do pessoal a título profissional, o BCE elaborou orientações para o pessoal sobre a utilização estritamente limitada e o registo obrigatório de mensagens de texto e instantâneas trocadas para fins profissionais.

A Provedora de Justiça Europeia não constatou qualquer má administração por parte do BCE no tratamento dos pedidos de acesso do público.

A fim de facilitar o tratamento dos pedidos de acesso do público a documentos do BCE no âmbito do BCE, do Eurosistema e do MUS, o Gabinete de Conformidade e Governação desenvolveu um portal sobre transparência e acesso a documentos, acessível ao pessoal do BCE, dos BCN e das ANC. Permite um acesso fácil ao quadro jurídico e aos procedimentos a observar, bem como informações sobre processos anteriores. Além disso, aumenta a sensibilização para a evolução da transparência a nível da UE e internacional.

Em 2022, o BCE respondeu a cerca de 10 400 pedidos de informação de cidadãos europeus, o que representa um aumento de 7% em comparação com 2021. Os cidadãos solicitaram informações ou comentaram uma grande variedade de temas, incluindo inflação, taxas de juro, guerra da Rússia contra a Ucrânia, alterações climáticas, euro e taxas de câmbio.

11.4 Capacitar os nossos cidadãos para se destacarem pela Europa

Após mais de dois anos de trabalho predominantemente à distância, em 2022, os membros do pessoal do BCE regressaram gradualmente ao trabalho presencial e começaram a preparar‑se para uma nova forma de trabalhar. Para os apoiar durante este período, desenvolvemos e adaptámos as nossas políticas e iniciativas em termos de pessoal. Continuámos a realizar consultas para verificar junto dos nossos funcionários o seu bem-estar, conexão e experiência inicial com o trabalho híbrido. Com a transição para um modelo de trabalho híbrido, fortalecemos também os nossos esforços em matéria de diversidade e inclusão para criar um local de trabalho em que todos se sintam seguros, valorizados e respeitados pelo que são.

Regresso gradual ao trabalho presencial

O pessoal do BCE preparou‑se para uma nova forma de trabalhar

Em maio de 2022, o pessoal do BCE iniciou uma fase transitória durante a qual regressou gradualmente ao trabalho presencial, com base numa presença mínima de oito dias por mês no local de trabalho. Paralelamente, lançámos um projeto‑piloto de modelo de trabalho híbrido para recolher informações sobre a experiência inicial com o trabalho híbrido, no qual participaram cerca de 1400 funcionários de seis unidades organizacionais. As conclusões do projeto‑piloto, juntamente com os comentários partilhados pelo pessoal do BCE veiculados por diferentes canais, uma análise comparativa abrangente e várias rondas de consulta com os representantes do pessoal do BCE, contribuíram para a nova política de teletrabalho do BCE. Esta nova política, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023, destaca‑se em termos de flexibilidade global em comparação com outras organizações, permitindo ao pessoal do BCE trabalhar em regime de teletrabalho até 110 dias por ano (cerca de 50% do seu tempo de trabalho).

O BCE consultou o pessoal

A fim de conhecer melhor o bem-estar, produtividade, conexão e experiência inicial dos nossos trabalhadores com o trabalho híbrido, continuámos a realizar consultas, com taxas de participação de cerca de 60%. Embora o bem-estar dos nossos funcionários tenha continuado a melhorar na primeira parte do ano, caiu no final do ano, apesar de um maior sentimento de conexão após o regresso ao trabalho presencial. A última consulta revelou que os nossos funcionários se sentem bem preparados para trabalhar de forma híbrida, que 83% têm orgulho em trabalhar para o BCE e que 72% recomendariam o BCE como sendo um excelente local para trabalhar.

Aprendizagem e desenvolvimento

Foram introduzidas iniciativas de desenvolvimento digital dos membros do pessoal

Em 2022, propusemos iniciativas de aprendizagem para acelerar a transformação empresarial digital, dotar o nosso pessoal com as ferramentas necessárias para o trabalho híbrido e apoiar o seu desenvolvimento profissional. Por exemplo, lançámos uma carteira de aprendizagem de destreza digital que incluiu masterclasses e cursos de e-learning para líderes e todo o pessoal e reintroduzimos um Programa de Crescimento de Liderança para os líderes do BCE. Paralelamente, para permitir que os nossos funcionários tenham acesso a material didático da Comissão Europeia e de outras instituições da UE, bem como ao LinkedIn Learning através do portal de aprendizagem da Comissão “Learn.EU”, lançámos a plataforma EUREKA (do inglês “European Expertise & Knowledge Academy”), a nossa nova plataforma de aprendizagem virtual. A plataforma EUREKA promove a partilha de conhecimentos e a colaboração. Reúne também, num único local, as oportunidades de aprendizagem e de mobilidade dentro do BCE. A partir de 2023, abrangerá também oportunidades de aprendizagem e mobilidade entre outras instituições do SEBC e do MUS.

Reforço da colaboração a nível do sistema em matéria de aprendizagem e desenvolvimento

Utilizamos a mobilidade para promover a versatilidade e atrair pessoas talentosas com novas perspetivas. Tal revelou‑se útil durante a pandemia, quando reafetámos pessoal do BCE, que se encontrava em mobilidade, às suas antigas unidades organizacionais para responder a necessidades de trabalho urgentes. Em 2022, a mobilidade dos membros do pessoal do BCE nas várias unidades organizacionais diminuiu ligeiramente para 4,3% (o que compara com 4,5% em 2021). No entanto, a mobilidade no âmbito do SEBC e do MUS aumentou graças a duas iniciativas conexas: o relançamento do Programa Schuman e o novo programa-piloto System-wide Virtual Teams, que permitem ao pessoal do BCE e ao pessoal de outras instituições do SEBC e do MUS trabalhar à distância em projetos de interesse (quadro 11.1).

Quadro 11.1

Projetos de mobilidade

Fonte: BCE.

Medidas tomadas para apoiar profissionais ucranianos

O BCE tomou várias medidas de apoio aos cidadãos ucranianos após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Lançámos um estágio para licenciados ucranianos e oferecemos contratos de curta duração a profissionais ucranianos. Em setembro de 2022, recebemos 15 estagiários ucranianos e dois trabalhadores ucranianos com contratos de curta duração. Garantimos também que os nossos serviços de acolhimento de crianças e de alojamento estavam disponíveis para refugiados ucranianos. Além disso, temos vindo a trabalhar no sentido de oferecer oportunidades ao pessoal do banco central da Ucrânia.

Diversidade e inclusão

Medidas tomadas para atrair talentos diversificados

Atrair talentos diversificados é crucial para que o BCE possa tomar as melhores decisões possíveis para os cidadãos que serve. Para o efeito, em 2022, o BCE participou em várias feiras de emprego, tais como a feira de emprego organizada pela ADAN (do alemão “Afro Deutsches Akademiker Netzwerk”), a maior feira de emprego da Europa para pessoas de cor, e a EUROUT, a principal conferência empresarial LGBTQ+ da Europa. Lançámos também com êxito um estágio-piloto para candidatos no espetro do autismo.

Intensificação de esforços para melhorar o equilíbrio de género

Continuámos a acompanhar os progressos para a consecução dos nossos objetivos em matéria de género para o período de 2020 a 2026 através de melhores quadros de resultados em função do género. Em 2022, o BCE atingiu o seu objetivo de contratação e promoção de mulheres em, pelo menos, 50% de casos a nível de gestão (todos os quadros de gestão e direção de topo). No entanto, em termos de chefia (de equipas), de especialistas e de analistas, os objetivos não foram cumpridos num intervalo de entre 10 e 6 pontos percentuais. No que respeita à percentagem global de mulheres nos grupos de escalões salariais pertinentes, os objetivos para 2022 foram alcançados a nível da gestão (todos os quadros de gestão e direção de topo) e dos analistas. No entanto, os objetivos não foram cumpridos a nível da chefia (de equipas) e de especialistas em 2 pontos percentuais e 1 ponto percentual, respetivamente (quadro 11.2). Continuaremos a intensificar os esforços para alcançar o equilíbrio de género.

Quadro 11.2

Objetivos de contratação e percentagem de mulheres ao serviço em 2022

Fonte: BCE.

Aplicámos igualmente outras medidas centradas na intersecção do género com outros aspetos da diversidade, como a idade, a etnia e a deficiência. Uma dessas medidas foi o relançamento das bolsas de estudo do BCE para mulheres.

O BCE esforçou‑se por construir uma cultura inclusiva

No BCE, envidamos esforços para criar uma cultura de trabalho em que todos os funcionários se sintam incluídos e respeitados e em que os antecedentes, experiências e capacidades individuais sejam bem-vindos e valorizados. Para permitir este tipo de cultura e dialogar com os nossos funcionários sobre este tema, em 2022 continuámos a implementar o nosso programa de inclusão. Além da oferta de cursos de formação e e‑learning, lançámos vários seminários centrados em comportamentos inclusivos no seio das equipas. Além disso, a presidente Christine Lagarde e os governadores de 28 BCN e ANC assinaram uma carta para a igualdade, diversidade e inclusão para promover uma cultura baseada no respeito, na dignidade e na inclusão em todo o SEBC e MUS.

Membros do pessoal do BCE em números

1) Em 31 de dezembro de 2022.
2) Funcionários destacados de um banco central nacional do Sistema Europeu de Bancos Centrais, de instituições/agências públicas europeias ou de organizações internacionais.
3) Refere‑se apenas a membros do pessoal permanentes e pessoal com contratos a termo.
4) Refere‑se a qualquer mobilidade horizontal permanente ou temporária entre divisões ou unidades organizacionais.
5) Refere‑se a qualquer mobilidade permanente ou temporária para um escalão salarial mais elevado, com ou sem processo de recrutamento.
6) Refere‑se apenas a membros do pessoal permanentes e pessoal com contratos convertíveis a termo.
7) O quadro apresenta percentagens do pessoal e dos quadros de gestão do BCE por nacionalidade, ou seja, os membros do pessoal com várias nacionalidades são contabilizados relativamente a cada nacionalidade que declaram. Por “todo o pessoal” entende‑se os funcionários, incluindo os quadros de gestão, com contratos permanentes, a termo, convertíveis, e a termo, não convertíveis, em 31 de dezembro de 2022. Por “quadros de gestão” entende‑se os escalões salariais I a M. Os totais podem exceder 100% devido a arredondamentos. Os países são elencados pela ordem alfabética dos nomes dos países na respetiva língua nacional.

11.5 Enfrentar os desafios ambientais e climáticos

O trabalho do BCE em matéria de clima é conduzido pelo seu centro dedicado às alterações climáticas sob a orientação da Comissão Executiva

No âmbito do seu mandato, o BCE está empenhado em assumir o papel que lhe cabe no combate às alterações climáticas e na resposta aos riscos climáticos. Em 2021, o BCE reforçou a governação do seu trabalho em matéria de clima criando o centro dedicado às alterações climáticas, que reporta diretamente à presidência do BCE e informa regularmente a Comissão Executiva sobre os progressos e as prioridades.

O centro dedicado às alterações climáticas concebe e conduz a estratégia do BCE em matéria de clima e promove o trabalho conexo, em colaboração com partes interessadas internas e externas pertinentes. As reuniões regulares com a direção de topo do BCE servem de fórum para a coordenação e o intercâmbio de informações.

As considerações em matéria de clima já integram as estruturas de governação existentes do BCE, por exemplo, na avaliação dos riscos climáticos, bem como nas operações de política monetária, nas carteiras não relacionadas com a política monetária, na estabilidade financeira e na gestão do risco operacional quando tal se mostre pertinente. Além disso, em 2022, o BCE decidiu adotar um quadro interno de apoio à integração dos objetivos da Lei Europeia em matéria de clima nas políticas, projetos e atividades do BCE e reportar estas medidas no Relatório Anual. No âmbito do Eurosistema, foi criado um novo fórum sobre as alterações climáticas para intensificar a colaboração em matéria de partilha de informação e de reforço de capacidades, bem como para promover a inovação no trabalho em matéria de clima. As questões de política relacionadas com as alterações climáticas continuam a ser abordadas nos comités pertinentes do Eurosistema e do SEBC.

O BCE lançou a sua agenda climática para orientar o seu trabalho no domínio das alterações climáticas em todas as áreas de competência

A agenda climática do BCE foi lançada em 2022 e define os objetivos estratégicos, as prioridades e o roteiro para o trabalho do BCE nesta matéria. Esta agenda é orientada por três objetivos estratégicos. Primeiro, o BCE gere e mitiga o risco financeiro relacionado com as alterações climáticas e avalia o seu impacto económico. Segundo, apoia uma transição ordenada para uma economia com impacto neutro no clima com medidas que se inserem no âmbito do seu mandato. Terceiro, partilha conhecimentos especializados com o objetivo de promover ações que extravasam o BCE. A agenda climática do BCE será atualizada regularmente, com pormenores sobre as atividades de apoio à consecução dos objetivos estratégicos agrupados em seis áreas prioritárias, como indicado na figura 11.1.

Figura 11.1

Os objetivos estratégicos da agenda climática do BCE

Fonte: BCE.
Nota: Para mais informações sobre a agenda climática do BCE, ver a página da internet As alterações climáticas e o BCE.

Domínios prioritários do trabalho relacionado com as alterações climáticas

No âmbito do seu mandato e tendo em conta as tarefas em mão, em 2022, o BCE tomou novas medidas para integrar nas suas atividades considerações sobre as alterações climáticas.

O BCE está a avaliar o impacto macroeconómico das alterações climáticas e das políticas de mitigação e a melhorar os dados relacionados com o clima

Através do seu trabalho analítico, o BCE continuou a avaliar o impacto macroeconómico das alterações climáticas e das políticas de mitigação na inflação e na economia real. As projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema – dezembro de 2022 incluíram uma avaliação do impacto macroeconómico das medidas orçamentais relacionadas com as alterações climáticas, tais como impostos sobre produtos energéticos, no crescimento e na inflação. Os principais resultados foram publicados no Boletim Económico. O trabalho analítico centrou‑se, entre outros aspetos, na avaliação do impacto de fenómenos meteorológicos extremos na inflação. Além disso, o BCE realizou progressos na integração de considerações sobre as alterações climáticas nos instrumentos de modelização macroeconómica.

O Eurosistema desenvolveu indicadores estatísticos relacionados com o clima, incluindo indicadores experimentais para instrumentos financeiros sustentáveis e indicadores analíticos sobre a exposição das instituições financeiras ao risco físico e a pegada de carbono das respetivas carteiras. Estes indicadores continuarão a ser desenvolvidos. Neste contexto, o Eurosistema tem igualmente por objetivo melhorar a disponibilidade e a qualidade dos dados relacionados com o clima, por exemplo através da avaliação e integração de fontes de dados públicas para a análise dos riscos físicos e de transição e através da aquisição de dados comerciais para colmatar as lacunas de dados existentes.

O BCE está a trabalhar na melhoria da avaliação dos riscos financeiros relacionados com as alterações climáticas

A fim de melhorar a avaliação dos riscos financeiros relacionados com o clima, em 2022, o Eurosistema realizou um primeiro teste de esforço centrado no risco climático de várias exposições financeiras no seu balanço. Os principais resultados relativos à carteira de obrigações de empresas foram publicados nas divulgações financeiras climáticas do Eurosistema em março de 2023. O Eurosistema desenvolveu também normas mínimas comuns para a integração dos riscos relacionados com as alterações climáticas nos sistemas internos de avaliação de crédito dos BCN para os ativos de garantia do Eurosistema, que entrarão em vigor até ao final de 2024. A análise do BCE também forneceu novos dados sobre a natureza sistémica dos riscos climáticos e justificou a adaptação dos instrumentos de política macroprudencial existentes para mitigar esses riscos para o sistema financeiro[73].

Os riscos climáticos e ambientais continuam a ser integrados na supervisão bancária do BCE e são identificados como uma prioridade prudencial para o período de 2023 a 2025. O Relatório Anual do BCE sobre as atividades de supervisão fornece informações sobre as principais medidas tomadas em 2022.

O BCE está a integrar considerações sobre as alterações climáticas nas operações de política monetária e a avaliar o seu impacto na política monetária

O Eurosistema tomou novas medidas para integrar as alterações climáticas nas suas operações de política monetária. A partir de outubro de 2022, o Eurosistema começou a descarbonizar as posições em obrigações do setor empresarial nas suas carteiras de política monetária, direcionando as suas posições para emitentes com um melhor desempenho climático, medido por emissões passadas, pela ambição dos planos de redução de emissões e pela qualidade das informações comunicadas.

Além disso, no seu quadro de ativos de garantia, o Eurosistema decidiu limitar a percentagem de ativos emitidos por sociedades não financeiras com uma pegada de carbono elevada que as contrapartes podem apresentar como garantia quando contraem empréstimos junto do Eurosistema. A limitação aplicar‑se‑á até ao final de 2024, se estiverem reunidas as condições técnicas prévias necessárias. Além disso, em dezembro de 2022, o BCE considerou os riscos climáticos nas suas análises regulares das margens de avaliação aplicadas às obrigações do setor empresarial utilizadas pela primeira vez como garantia. A análise de 2022 das medidas de controlo do risco não encontrou dados que requeiram alterações à matriz de margens de avaliação com base em considerações climáticas, uma vez que a matriz de margens de avaliação atualizada já protege suficientemente contra os riscos financeiros relacionados com o clima. Outras medidas do quadro de ativos de garantia incluem a introdução de requisitos de elegibilidade relacionados com as divulgações, que deverão ser aplicáveis a partir de 2026, para as entidades sujeitas à Diretiva (UE) 2022/2464 no que diz respeito ao relato de sustentabilidade das empresas, e a já referida melhoria da avaliação do risco.

O BCE está a analisar e a contribuir para o debate de políticas destinadas a expandir o financiamento sustentável

Nas áreas de regulamentação financeira e política a nível da UE e internacional, o BCE participou ativamente em debates sobre financiamento sustentável em fóruns relevantes, incluindo o G7, o G20, o Conselho de Estabilidade Financeira, o CBSB, a Rede de Bancos Centrais e Autoridades de Supervisão para a Ecologização do Sistema Financeiro (Network for Greening the Financial System – NGFS), a EBA e o grupo consultivo para a informação financeira na Europa (European Financial Reporting Advisory Group – EFRAG). Com este objetivo, o BCE pretende continuar a avançar com o quadro regulamentar para fazer face às alterações climáticas, melhorar a análise dos riscos climáticos e os cenários climáticos, atuar como catalisador para melhorar a comunicação de informações do seu ponto de vista, colmatar lacunas de dados e, em última instância, ajudar a expandir o financiamento sustentável privado e público. Exemplos do trabalho do BCE no domínio da legislação da UE relativa ao financiamento sustentável e ao clima incluem o parecer sobre a proposta de reformulação da diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios e o seu contributo para o desenvolvimento das normas europeias para a comunicação de informações sobre sustentabilidade, na qualidade de observador, no Comité de Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade do EFRAG. A nível internacional, o BCE também preside atualmente à vertente de trabalho sobre conceção e análise de cenários e à Rede de Peritos em Assuntos Jurídicos da NGFS.

Na sua Declaração Ambiental de 2022, o BCE definiu a forma como tenciona alinhar as suas atividades com os objetivos do Acordo de Paris. O plano centra‑se na redução dos impactos ambientais relacionados com viagens e conferências e na colaboração com os fornecedores utilizando ferramentas disponibilizadas através de processos de contratação pública sustentáveis para gerir os impactos ao longo da cadeia de valor. Foram também realizados progressos na avaliação dos potenciais impactos ambientais da segunda série de notas de euro ao longo do ciclo de vida. Com base na informação disponível, lançaram‑se atividades de investigação e implementaram‑se políticas destinadas a minimizar o impacto ambiental das notas de euro, tais como a utilização de algodão sustentável no papel das notas, o prolongamento da vida das notas em circulação e a utilização de métodos mais sustentáveis para a eliminação das notas usadas.

No que respeita a uma maior transparência, em março de 2023, o BCE e o Eurosistema publicaram as suas primeiras divulgações financeiras climáticas das carteiras não relacionadas com a política monetária denominadas em euros do BCE e dos BCN do Eurosistema e da carteira de obrigações de empresas do Eurosistema para fins de política monetária. O relatório do BCE sobre as carteiras não relacionadas com a política monetária explica a estratégia de investimento do BCE e descreve os progressos alcançados na descarbonização das carteiras de fundos próprios e de fundos de pensões do pessoal.

12 Conheça os nossos colaboradores

Mudar de funções no BCE ou trabalhar temporariamente noutro banco central ou numa instituição parceira tornou‑se parte integrante do desenvolvimento profissional e pessoal no âmbito do Eurosistema e do SEBC. Estas oportunidades de mobilidade são uma excelente forma de membros do pessoal aprofundarem conhecimentos e competências, permitindo-lhes também contribuir com os seus conhecimentos especializados específicos para projetos importantes com impacto europeu.

As histórias que se seguem dão-nos uma perspetiva da variedade de comissões de serviço desempenhadas por colegas em várias formas de mobilidade.

Elena Bobeica, Economista Principal, Direção-Geral de Economia

Após uma comissão de serviço temporário na Direção-Geral de Secretariado ao abrigo do programa de mobilidade interna do BCE, regressei à Direção-Geral de Economia em 2022 para trabalhar num projeto desafiante. Confiaram-me a coliderança de um grupo de técnicos especializados do BCE e dos bancos centrais nacionais encarregado de investigar questões relacionadas com a elaboração de previsões dos custos da habitação própria.

Curiosamente, a atual medida da inflação inclui apenas parcialmente os custos da habitação para os proprietários associados à propriedade, manutenção e residência em casa própria, apesar de esses custos serem despesas importantes. Ainda que a futura inclusão destes custos no Índice Harmonizado de Preços no Consumidor seja um projeto plurianual sob a tutela do Sistema Estatístico Europeu, a elaboração de previsões da inflação e das respetivas componentes é uma das principais atribuições de um banco central.

Tendo anteriormente abordado no meu trabalho vários aspetos de previsão da inflação, interessava-me compreender os desafios que a elaboração de previsões dos custos da habitação própria implica e investigar formas de responder a esses desafios. Achei a interação com colegas dos bancos centrais nacionais particularmente gratificante. Colaborámos estreitamente no projeto e pudemos partilhar pontos de vista diversificados e informação sobre as especificidades dos países, o que foi extremamente útil, dada a heterogeneidade dos mercados de habitação na área do euro. Senti que conseguimos aprofundar os nossos conhecimentos sobre os custos da habitação própria e o potencial impacto da sua inclusão no Índice Harmonizado de Preços no Consumidor, das perspetivas da monitorização e da elaboração de previsões.

Daniel Gybas, Economista Sénior, Secretariado da NGFS

Embora fazer face às alterações climáticas seja um desafio mundial que exige medidas a nível mundial, os bancos centrais operam em circunstâncias muito diferentes. Tendo contribuído, como membro da equipa da Direção-Geral de Operações de Mercado, para moldar a reflexão inicial do BCE sobre a forma de integrar as alterações climáticas no quadro de política monetária, interessava-me saber como outros bancos centrais, a operar em contextos diferentes, respondem a este desafio. Graças a uma iniciativa especial de mobilidade entre os bancos centrais nacionais de países da UE (intitulado “Programa Schuman”), pude integrar o Secretariado da NGFS, acolhido pelo Banque de France, onde apoio o grupo de trabalho dedicado à política monetária. A minha área de incidência é a ecologização das operações de política monetária, o que envolve facilitar trocas de perspetivas entre bancos centrais mais experientes, incluindo o BCE, e bancos centrais que estão a explorar a possibilidade de proceder a adaptações dos respetivos quadros operacionais relacionadas com as alterações climáticas.

Graças a este trabalho muito gratificante, pude tomar conhecimento, em primeira mão, de medidas e iniciativas dos bancos centrais e facilitar a partilha de conhecimentos e experiências entre instituições. A nível pessoal, apesar de a deslocação da minha família de Frankfurt am Main para a região de Paris ter sido um desafio, também criou oportunidades de crescimento pessoal e memórias duradouras.

Stefano Pagnano, Técnico Superior Sénior de Análise de Atividades, Direção-Geral de Sistemas de Informação

Iniciei a minha carreira no BCE na Divisão de Serviços de Governação e Transformação, onde participei na governação das tecnologias de informação e na transformação digital. Passados alguns anos, dei-me conta de que seria interessante conhecer o BCE de uma perspetiva diferente e aplicar a minha experiência num novo contexto. Graças a uma oportunidade de mobilidade interna, em 2022, integrei a Divisão de Serviços de Domínio de Análise de Dados da Direção-Geral de Sistemas de Informação. A minha nova divisão trabalha com plataformas de dados e aplicações analíticas altamente sofisticadas que ajudam o BCE a cumprir o seu objetivo de ser uma organização orientada por dados.

Trabalho atualmente numa plataforma centralizada de recolha de dados chamada “CASPER”, que automatiza a transmissão de dados ao BCE de qualquer parte do mundo, em regime de self-service e num curto espaço de tempo. Mais de 3000 utilizadores e 175 instituições recorrem presentemente a esta plataforma para cumprir as suas obrigações de reporte.

Nas minhas novas funções, participo na gestão de projetos e análise de atividades. Juntamente com colegas da Direção-Geral de Estatística, procuramos constantemente melhorar os nossos serviços. Por exemplo, a minha nova divisão lançou um programa comum de gestão de dados. Trata‑se de um projeto complexo, que visa criar uma plataforma de gestão e análise de dados de nova geração para todos os utilizadores do SEBC e do MUS. São muitos os desafios de transformação que se avizinham, mas o nosso espírito de equipa e a nossa abordagem construtiva estão entre os nossos pontos fortes!

A mobilidade tem sido muito enriquecedora para mim, tanto a nível profissional como pessoal. Permitiu-me expandir a minha rede e trabalhar em atividades inovadoras, fazendo uso dos meus dois pelouros: contribuindo com uma perspetiva diferente, graças aos meus “olhos de novato”, combinada com a minha experiência enquanto profissional “veterano”.

Meri Sintonen, Economista, Direção-Geral de Política Monetária

Em 2022, integrei a Divisão de Estratégia de Política Monetária do BCE em destacamento do Suomen Pankki, ao abrigo de uma iniciativa de mobilidade para pessoal do Eurosistema designada “Programa Schuman”. Como economista com conhecimentos especializados no domínio dos pagamentos, contribuo, juntamente com colegas de várias unidades organizacionais do BCE, para a análise dos efeitos de um euro digital na política monetária. Ainda que um euro digital possa oferecer uma vasta gama de benefícios, poderá também ter implicações para a política monetária e a estabilidade financeira, dependendo de até que ponto vier a substituir os depósitos bancários.

Participo num projeto centrado em prever a potencial procura de um euro digital, dependendo das suas caraterísticas de conceção. Os resultados dos estudos conduzidos podem servir para avaliar o impacto que a introdução de um euro digital teria nos depósitos bancários e nas detenções de numerário das famílias. Clarificam também como as diferentes opções de conceção afetam a procura de um euro digital e o modo como a procura varia consoante as caraterísticas das famílias e entre os países da área do euro.

Este destacamento proporcionou-me uma oportunidade única de expandir as minhas competências e redes, conhecer melhor o BCE e contribuir para um projeto extremamente interessante. Tem sido uma experiência inspiradora ver tantas pessoas talentosas colaborar para atingir metas comuns.

Contas anuais

https://www.ecb.europa.eu/pub/annual/annual‑accounts/html/ecb.annualaccounts2022~ee9329bf6f.pt.html

Balanço consolidado do Eurosistema em 31 de dezembro de 2022

https://www.ecb.europa.eu/pub/annual/balance/html/ecb.eurosystembalancesheet2022~4a2e481250.pt.html

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A data de fecho dos dados incluídos no presente relatório foi 18 de abril de 2023 (as exceções são claramente indicadas).

Para ver terminologia específica, consultar o glossário do BCE.

HTML ISBN 978-92-899-5966-7, ISSN 1725-292X, doi:10.2866/216562, QB-AA-23-001-PT-Q


  1. Atendendo a que não estão disponíveis dados trimestrais oficiais para o investimento público, esta aproximação alternativa é amplamente utilizada nas publicações do BCE.

  2. A volatilidade decorre das atividades a nível mundial de um número limitado de grandes empresas multinacionais residentes na Irlanda e reflete transferências internacionais de ativos intangíveis relacionadas com questões de eficiência fiscal que, na essência, não estão relacionadas com o ciclo económico. Tais operações podem ser consideráveis e irregulares. Podem também ser imediatas, visto que o investimento em ativos intangíveis não implica tempo de construção.

  3. A orientação orçamental reflete a direção e a dimensão do estímulo das políticas orçamentais proporcionado à economia para além da reação automática das finanças públicas ao ciclo económico. Para mais pormenores sobre este conceito, ver o artigo intitulado The euro area fiscal stance, Boletim Económico, Número 4, BCE, 2016.

  4. Ver o artigo intitulado Fiscal policy and high inflation, Boletim Económico, Número 2, BCE, 2023.

  5. Sobre o impacto da guerra na inflação dos preços dos produtos alimentares, ver a caixa intitulada A subida acentuada da inflação dos preços dos produtos alimentares na área do euro e o impacto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, Boletim Económico, Número 4, BCE, 2022.

  6. Ver a caixa intitulada Comparing labour market developments in the euro area and the United States and their impact on wages do artigo “Wage developments and their determinants since the start of the pandemic”, Boletim Económico, Número 8, BCE, 2022.

  7. Ver Antonopoulos, C. et al., The Greek labour market before and after the pandemic: Slack, tightness and skills mismatch, Boletim Económico, Número 56, Bank of Greece, dezembro de 2022.

  8. Ver o comunicado do BCE intitulado ECB provides details on how it aims to decarbonise its corporate bond holdings, 19 de setembro de 2022.

  9. Ver a caixa intitulada Gradual phasing-out of pandemic collateral easing measures, Boletim Económico, Número 3, BCE, 2022.

  10. Ver The financial risk management of the Eurosystem’s monetary policy operations, BCE, julho de 2015.

  11. Ver FAQs on the corporate sector purchase programme and non-financial commercial paper, no sítio do BCE, atualizadas em 22 de fevereiro de 2023.

  12. Ver o comunicado do BCE intitulado BCE toma novas medidas para incorporar as alterações climáticas nas suas operações de política monetária, 4 de julho de 2022.

  13. Ver a nota explicativa Lucros e perdas do BCE e dos bancos centrais nacionais da área do euro: de onde advêm?, BCE, atualizada em 23 de fevereiro de 2023.

  14. O artigo 5.º do Regulamento do MUS atribui um papel importante e poderes específicos ao BCE neste domínio, incluindo o poder de aplicar medidas em matéria de fundos próprios mais rigorosas em caso de necessidade.

  15. Em 2022, 11 países aumentaram a reserva contracíclica de fundos próprios (Bulgária, Alemanha, Estónia, Irlanda, França, Croácia, Chipre, Lituânia, Países Baixos, Eslovénia e Eslováquia), enquanto o Luxemburgo manteve uma reserva de fundos próprios positiva. No que respeita às reservas para risco sistémico, dois países (Alemanha e Eslovénia) introduziram uma reserva setorial e a Lituânia manteve uma reserva setorial positiva (no final de 2021, a Bélgica tinha decidido substituir a respetiva medida de ponderação do risco imobiliário residencial por uma reserva para risco sistémico setorial). A Áustria aumentou a sua reserva global para risco sistémico, enquanto a Bulgária e a Croácia mantiveram reservas globais para risco sistémico positivas.

  16. A declaração também reconheceu e aprovou o alerta sobre vulnerabilidades do sistema financeiro da UE emitido pelo Comité Europeu do Risco Sistémico em 22 de setembro de 2022 (ver abaixo).

  17. Enhancing macroprudential space in the banking union – Report from the Drafting Team of the Steering Committee of the Macroprudential Forum, Anexo 2 da resposta do BCE ao pedido de parecer da Comissão Europeia sobre a revisão do quadro macroprudencial da UE, BCE, março de 2022.

  18. Por exemplo, a caixa 8 da edição de maio centra-se na transmissão e eficácia das medidas macroprudenciais baseadas nos fundos próprios.

  19. O CERS é responsável pela supervisão macroprudencial do sistema financeiro da UE e pela prevenção e mitigação do risco sistémico. Utiliza “poderes não vinculativos”, ou seja, a emissão de alertas e recomendações, para cumprimento do seu mandato.

  20. Ver Review of the EU Macroprudential Framework for the Banking Sector – Response to the call for advice, CERS, março de 2022, Review of the EU Macroprudential Framework for the Banking Sector – a Concept Note, CERS, março de 2022, e Wedow, M. et al., Making the EU macroprudential framework fit for the next decade, VoxEU column, 4 de outubro de 2022.

  21. Ver Mitigating systemic cyber risk, CERS, janeiro de 2022.

  22. Ver Report on the economic rationale supporting the ESRB Recommendation of 2 December 2021 on money market funds and assessment, CERS, janeiro de 2022.

  23. Ver EU Non-bank Financial Intermediation Risk Monitor, n.º 7, CERS, julho de 2022.

  24. Ver Equipa de projeto do BCE/CERS dedicada à monitorização dos riscos climáticos, The macroprudential challenge of climate change, BCE/CERS, julho de 2022.

  25. Ver Vulnerabilities in the EEA commercial real estate sector, CERS, janeiro de 2023.

  26. Recomendação do Comité Europeu do Risco Sistémico, de 2 de dezembro de 2021, relativa à reforma dos fundos do mercado monetário (CERS/2021/9) (JO C 129 de 22.3.2022, p.1) e Recomendação do Comité Europeu do Risco Sistémico, de 2 de dezembro de 2021, sobre um quadro pan-europeu de coordenação para as autoridades competentes relativo a ciberincidentes sistémicos (CERS/2021/17) (JO C 134 de 25.3.2022, p.1).

  27. Ver o comunicado do CERS intitulado ESRB issues new warnings and recommendations on medium-term residential real estate vulnerabilities, 11 de fevereiro de 2022.

  28. Alerta do Comité Europeu do Risco Sistémico, de 22 de setembro de 2022, relativo a vulnerabilidades no sistema financeiro da União (CERS/2022/7) (JO C 423 de 7.11.2022, p.1).

  29. Recomendação do Comité Europeu do Risco Sistémico, de 1 de dezembro de 2022, relativa a vulnerabilidades no setor imobiliário comercial no Espaço Económico Europeu (CERS/2022/9).

  30. No exercício do seu poder de impor sanções às instituições de crédito supervisionadas, em março de 2022, o BCE impôs sanções ao Banque et Caisse d’Epargne de l’Etat, Luxembourg pelo reporte incorreto de necessidades de fundos próprios. No mesmo dia, impôs sanções ao Bank of Cyprus pela transferência de liquidez para filiais sem aprovação. Em dezembro de 2022, o BCE impôs sanções ao ABANCA por não ter comunicado um ciberincidente importante no prazo estipulado.

  31. Para mais pormenores sobre o CRR e a CRD, ver a caixa 2, a qual também fornece ligações aos pareceres do BCE sobre as propostas do pacote bancário.

  32. Ver, por exemplo, Elderson, F., Mind the gap, close the gap – the ECB’s views on the banking package reforms, Blogue da Supervisão, BCE, 28 de abril de 2022, e Campa, J.M., (presidente da Autoridade Bancária Europeia), de Guindos, L. e Enria, A., Strong rules, strong banks: let’s stick to our commitments, Blogue da Supervisão, BCE, 4 de novembro de 2022.

  33. Ver An EU financial system for the future, discurso de Luis de Guindos, vice-presidente do BCE, na conferência conjunta do BCE e da Comissão Europeia sobre integração financeira europeia, Frankfurt am Main, 6 de abril de 2022.

  34. Ver Mind the liquidity gap: a discussion of money market fund reform proposals e Assessing the impact of a mandatory public debt quota for private debt money market funds, Boletim Macroprudencial, n.º 16, BCE, 21 de janeiro de 2022.

  35. Ver Assessment of the Effectiveness of the FSB’s 2017 Recommendations on Liquidity Mismatch in Open-Ended Funds, Conselho de Estabilidade Financeira, 14 de dezembro de 2022.

  36. Ver Enhancing the Resilience of Non-Bank Financial Intermediation – Progress report, Conselho de Estabilidade Financeira, 10 de novembro de 2022.

  37. Ver CPMI e Conselho da Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (IOSCO), Application of the Principles for Financial Market Infrastructures to stablecoin arrangements, Banco de Pagamentos Internacionais e IOSCO, julho de 2022.

  38. Ver Parecer do Banco Central Europeu, de 27 de abril de 2022, sobre uma proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2013/36/UE no respeitante às competências de supervisão, às sanções, às sucursais de países terceiros e aos riscos ambientais, sociais e de governação (CON/2022/16) (JO C 248 de 30.6.2022, p. 87) e Parecer do Banco Central Europeu, de 24 de março de 2022, sobre uma proposta de alteração do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos requisitos para o risco de crédito, o risco de ajustamento da avaliação de crédito, o risco operacional, o risco de mercado e o limite mínimo dos resultados (CON/2022/11) (JO C 233 de 16.6.2022, p.14). O BCE publicou igualmente um parecer sobre o terceiro elemento do pacote; ver Parecer do Banco Central Europeu, de 13 de janeiro de 2022, sobre uma proposta de alteração do Regulamento (UE) n.º 575/2013 relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento no que diz respeito à resolução (CON/2022/3) (JO C 122 de 17.3.2022, p. 33).

  39. Ver Ikeda, Y. et al., Covid-19 and bank resilience: where do we stand?, BIS Bulletin, n.º 44, Banco de Pagamentos Internacionais, 22 de julho de 2021.

  40. Processo destinado a garantir que apenas gestores adequados e experientes são nomeados para os cargos superiores de um banco.

  41. Por exemplo, um banco que financie empresas que operem em setores afetados pela transição sustentável pode enfrentar riscos significativos em termos quer de perdas de crédito quer de resiliência do modelo de negócio. As disposições legislativas propostas assegurarão que o referido banco estabelece um plano de medição e gestão proativas destes riscos. Tal poderá ajudar o banco em questão a identificar oportunidades para mitigar os riscos ambientais, sociais e de governação ao apoiar, por exemplo, a transição e a adaptação dos seus clientes mais vulneráveis.

  42. No total, em 2020, ocorreram cinco incidentes importantes relacionados com tecnologias de informação (e não cibersegurança), que afetaram as operações de pagamento e o processamento de valores mobiliários dos Serviços TARGET. Ver o comunicado do BCE intitulado ECB publishes an independent review of TARGET incidents in 2020, 28 de julho de 2021.

  43. O TIBER-UE é o quadro europeu para execução de testes de intrusão e subversão tecnológica, segundo uma abordagem ética, com base em informações estratégicas sobre ciberameaças. Serve de guia comunitário para o modo como as autoridades, as entidades, os serviços de informações sobre ameaças e as equipas de segurança ofensiva (“equipas vermelhas”) devem trabalhar em conjunto para testar e melhorar a ciber-resiliência das entidades através da execução de um ciberataque controlado.

  44. Nos termos do artigo 141.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, dos artigos 17.°, 21.°-2, 43.º-1 e 46.°-1 dos Estatutos do SEBC e do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.º 332/2002 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2002.

  45. Nos termos do artigo 122.º, n.º 2, e do artigo 132.°, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, dos artigos 17.° e 21.° dos Estatutos do SEBC e do artigo 8.° do Regulamento (UE) n.º 407/2010 do Conselho, de 11 de maio de 2010.

  46. Nos termos dos artigos 17.º e 21.º dos Estatutos do SEBC (em conjunção com o artigo 10.º do Regulamento (UE) 2020/672 do Conselho, de 19 de maio de 2020, relativo à criação de um instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE) na sequência do surto de COVID-19).

  47. Nos termos dos artigos 17.º e 21.º dos Estatutos do SEBC (em conjunção com o Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência).

  48. Nos termos dos artigos 17.º e 21.º dos Estatutos do SEBC (em conjunção com o artigo 3.º, n.º 5, do acordo-quadro do FEEF).

  49. Nos termos dos artigos 17.º e 21.º dos Estatutos do SEBC (em conjunção com o artigo 5.12.1 das condições gerais do MEE relativas aos contratos do mecanismo de assistência financeira).

  50. No âmbito do contrato de empréstimo estabelecido entre os Estados-Membros cuja moeda é o euro (exceto a Alemanha e a Grécia) e o Kreditanstalt für Wiederaufbau (agindo no interesse público, sujeito às instruções recebidas da República Federal da Alemanha e beneficiando da sua garantia) na qualidade de mutuantes, e a República Helénica, na qualidade de mutuária, e tendo como agente o Bank of Greece, e nos termos do disposto nos artigos 17.º e 21.º-2 dos Estatutos do SEBC e no artigo 2.º da Decisão do Banco Central Europeu, de 10 de maio de 2010, relativa à gestão de empréstimos bilaterais agregados à República Helénica e que altera a Decisão BCE/2007/7 (Decisão BCE/2010/4) (JO L 119 de 13.5.2010, p. 24).

  51. Orientação (UE) 2022/971 do Banco Central Europeu, de 19 de maio de 2022, relativa à Base de Dados de Informação Centralizada sobre Títulos e à produção de estatísticas de emissões de títulos e que revoga a Orientação BCE/2012/21 e a Orientação (UE) 2021/834 (BCE/2022/25) (JO L 166 de 22.6.2022, p. 147).

  52. Regulamento (UE) n.º 1333/2014 do Banco Central Europeu, de 26 de novembro de 2014, relativo às estatísticas de mercados monetários (BCE/2014/48) (JO L 359 de 16.12.2014, p. 97).

  53. Orientação (UE) 2022/747 do Banco Central Europeu, de 5 de maio de 2022, que altera a Orientação 2012/120/UE relativa às exigências de informação estatística do Banco Central Europeu em matéria de estatísticas externas (BCE/2011/23) (BCE/2022/23) (JO L 137 de 16.5.2022, p. 177).

  54. Um separador adicional, “Focus on Russia” (foco sobre a Rússia) também se encontra disponível no painel da página Balance of payments and international investment position.

  55. Para mais informações, ver o comunicado do BCE intitulado BCE apresenta plano de ação para incluir considerações sobre as alterações climáticas na sua estratégia de política monetária, 8 de julho de 2021.

  56. Ver Climate change-related indicators no sítio do BCE.

  57. Ver o comunicado do BCE intitulado ECB moves towards harmonising statistical reporting to ease burden for banks and improve analysis, 17 de dezembro de 2021.

  58. Em linha com a decisão relativa ao aumento da transparência nos regulamentos do BCE relativos a estatísticas europeias adotada pelo Conselho do BCE em outubro de 2016.

  59. Para mais informações, ver Standardising banks’ data reporting (IReF e BIRD (dicionário de reporte integrado dos bancos)) no sítio do BCE.

  60. Ver The ESCB input into the EBA feasibility report under article 430c of the Capital Requirements Regulation (CRR 2), BCE, setembro de 2020.

  61. Para mais informações sobre a análise das OIF, ver Non-bank financial intermediation in the euro area: implications for monetary policy transmission and key vulnerabilities, Série de Documentos de Trabalho Ocasionais, n.º 270, BCE, revisto em dezembro de 2021.

  62. Ver Laeven, L. e Popov, A., Carbon taxes and the geography of fossil lending, Série de Documentos de Trabalho, n.º 2762, BCE, dezembro de 2022.

  63. Ver Reghezza, A., Altunbas, Y., Marques-Ibanez, D., Rodriguez d’Acri, C. e Spaggiari, M., Do banks fuel climate change?, Série de Documentos de Trabalho, n.º 2550, BCE, maio de 2021.

  64. Ver De Haas, R. e Popov, A., Finance and Green Growth, The Economic Journal, vol. 133, n.º 650, fevereiro de 2023, pp. 637-668.

  65. Ver Hassler, J., Krusell, P. e Olovsson, C., Finite resources and the world economy, Journal of International Economics, vol. 136, n.º 103592, maio de 2022.

  66. Ver Hassler, J., Krusell, P. e Olovsson, C., Presidential Address 2020 Suboptimal Climate Policy, Journal of the European Economic Association, vol. 19, n.º 6, dezembro de 2021, pp. 2895-2928.

  67. Processos apensos C-597/18 P, C-598/18 P, C-603/18 P e C-604/18 P, ECLI:EU:C:2020:1028.

  68. O Conselho da União Europeia, a Comissão Europeia, o Eurogrupo e a União Europeia.

  69. Ver a carta de Fabio Panetta dirigida a Irene Tinagli, presidente da ECON, sobre o relatório de progresso da fase de investigação de um euro digital, BCE,14 de junho de 2022.

  70. As normas desenvolvidas pelo grupo consultivo para a informação financeira na Europa (European Financial Reporting Advisory Group – EFRAG) definem os requisitos para a comunicação de informações pelas empresas sobre um conjunto abrangente de questões em matéria de ESG.

  71. Ver o comunicado do BCE intitulado ECB publishes enhanced rules for private financial transactions of high-level officials, 16 de dezembro de 2022.

  72. Orientação (UE) 2021/2253 do Banco Central Europeu, de 2 de novembro de 2021, que estabelece os princípios do Código Deontológico do Eurosistema (BCE/2021/49) (JO L 454 de 17.12.2021, p. 7) e Orientação (UE) 2021/2256 do Banco Central Europeu, de 2 de novembro de 2021, que estabelece os princípios do Código Deontológico do Mecanismo Único de Supervisão (BCE/2021/50) (JO L 454 de 17.12.2021, p. 21).

  73. Ver The macroprudential challenge of climate change, relatório conjunto da equipa de projeto do BCE/CERS dedicada à monitorização dos riscos climáticos, julho de 2022.